ARQUIVO: Daniel Ortega,presidente da Nicarágua,e Nicolás Maduro,presidente da Venezuela,em Miraflores,em abril de 2024 — Foto: JUAN BARRETO / AFP
GERADO EM: 31/07/2024 - 04:30
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Por ruim que a vida tenha sido para os venezuelanos na última década,poderia ter sido pior. Apesar de todo o sofrimento,da repressão aos dissidentes políticos,do êxodo de um quarto da população e outros atos horrendos,ainda era um país onde — ao contrário de Cuba e Nicarágua — a liberdade de expressão política não era completamente restrita,e alguns elementos da democracia foram mantidos,aparentemente porque Nicolás Maduro e seus apoiadores se importavam pelo menos um pouco com a opinião global e com a manutenção dos laços econômicos com seus vizinhos e outras democracias ocidentais.
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Esse desejo,essa relutância em se tornar um "Ortega completo",à semelhança do ditador da Nicarágua,Daniel,parece ter levado Maduro a um erro de cálculo do qual ele agora certamente se arrepende: permitir que a eleição presidencial de domingo ocorresse da forma como ocorreu.
Embora a votação nunca tenha sido livre ou justa,Maduro permitiu,sob pressão dos Estados Unidos,mas também de seus antigos apoiadores de esquerda no Brasil e na Colômbia,a participação de Edmundo González Urrutia,um candidato alinhado com a figura popular da oposição,María Corina Machado. Maduro subestimou vastamente a habilidade política de María Corina,enquanto sua proibição de observadores eleitorais europeus e de outras origens críveis não foi suficiente para cegar o mundo,ou seu próprio povo,para a evidente fraude eleitoral que seu governo anunciou na noite de domingo.
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À medida que a segunda-feira avançava,ficou claro que Maduro estava disposto a dar o próximo passo — e se tornar um regime completamente desonesto e isolado,ao estilo da Nicarágua,se necessário para manter o poder.
O regime nomeou a opositora como suspeita de sabotagem eleitoral,um possível prelúdio para prendê-la e a outros membros da oposição. Depois que vários países latino-americanos pediram que Maduro respeitasse a vontade popular,ele reagiu expulsando todos os diplomatas desses países de Caracas — um passo extremo que nem os cubanos hesitaram em dar ao longo dos anos. Ele suspendeu muitos dos poucos voos internacionais restantes para o país. E enquanto milhares de venezuelanos saíam às ruas na noite de segunda-feira e na terça-feira para exigir que seus votos fossem respeitados,derrubando várias estátuas do falecido Hugo Chávez,havia temores de uma repressão ainda mais violenta do que as rodadas anteriores na década de 2010,que deixaram centenas de mortos.
Ao tentar entender o comportamento de Maduro e antecipar o que pode acontecer a seguir,volto a duas suposições-chave. A primeira é que o que Maduro e seus aliados mais temem não é perder o poder em si,mas passar o resto de suas vidas em uma prisão federal de segurança máxima nos Estados Unidos. Com vários funcionários,incluindo Maduro,enfrentando acusações em tribunais dos EUA por tráfico de drogas,e com corrupção documentada e abusos de direitos humanos suficientes para manter o Tribunal de Haia ocupado por uma década,Maduro e seus apoiadores nas Forças Armadas venezuelanas nunca deixariam o cargo sem algum tipo de acordo abrangente de imunidade e/ou justiça de transição.
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A segunda suposição é que o modelo do chavismo sempre foi Cuba,onde as autoridades "conseguiram" manter o poder reprimindo a dissidência,ignorando a economia quando necessário e exportando os descontentes por 65 anos e contando. Tome a visão de longo prazo,a visão de Havana,e isso é apenas mais uma tempestade que passará.
É possível que essas suposições estejam erradas: a estrutura de poder venezuelana pode ser mais fraca,mais dividida e ansiosa por mudança do que imaginamos,acreditando que sua crescente falta de legitimidade em casa e no exterior é insustentável. Maduro pode estar se posicionando firmemente agora em antecipação a uma eventual negociação. Mas se Maduro estiver realmente disposto a fazer o que for preciso para se manter no poder,então qualquer caminho restante para uma transição democrática será estreito e extremamente perigoso nos próximos dias.
A pressão internacional,particularmente do Brasil e da Colômbia,será necessária — mas insuficiente. Neste estágio,o regime de Maduro sabe que o mundo sabe que ele mentiu sobre os resultados de domingo,e simplesmente não se importa. A ameaça de Washington ou de nações europeias de mais sanções ou de reconhecer González como o líder legítimo da Venezuela também parece improvável de mudar a situação; já passamos por isso,com poucos efeitos positivos e muitos danos colaterais.
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Criticamente,Maduro recebeu apoio instantâneo na segunda-feira dos governos da China,Rússia e Irã,o que pode fornecer um alívio econômico e diplomático suficiente para ele suportar qualquer tempestade que está por vir (mas pode levar os democratas da América Latina a questionar mais uma vez sobre os verdadeiros interesses e impactos desses países na região).
O foco,então,volta-se para as dinâmicas dentro da própria Venezuela,muitas delas desconhecidas: quão dispostos estarão os venezuelanos comuns a arriscar ferimentos ou morte para tentar tirar Maduro do poder? María Corina e González poderão manter seus apoiadores,muitos dos quais estão compreensivelmente desiludidos por numerosos ciclos de esperança e repressão ao longo de muitos anos,engajados ao longo do tempo? Eles poderão fazer isso enquanto mantêm simultaneamente canais abertos com elementos dentro do aparato estatal para negociar algum tipo de transição?
E as forças de segurança,que até agora parecem unidas e capazes de reprimir qualquer dissidência em suas fileiras e na sociedade em geral,começarão a se fragmentar se a demonstração de resistência popular for grande o suficiente? Quão dispostos estarão os soldados de base a derramar o sangue de seus compatriotas?
Essas são as questões que dissidentes na Nicarágua,Cuba,China,Rússia,Romênia,Líbia e outros lugares enfrentaram ao longo dos anos. Os resultados foram principalmente sombrios,apontando mais uma vez para aquele velho adágio: uma vez que os ditadores tomam o poder,é quase impossível removê-los. Quase.
*Brian Winter é editor-chefe da Americas Quarterly e analista de política latino-americana.