Os arquitetos Thiago Bernardes e Miguel Pinto Guimarães — Foto: Leo Aversa
GERADO EM: 08/11/2024 - 15:00
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Eles têm uma vida inteira em comum,tão interessante quanto a arquitetura admirada,cheia de bossa e premiadíssima que praticam. Os dois começaram jovens,foram sócios e depois seguiram caminhos diferentes. Thiago Bernardes traz no currículo obras como o MAR,o Museu de Arte do Rio; e o Hotel Fasano Angra dos Reis. No ano que vem,entrega a reforma e um novo anexo da Fundação Albuquerque,em Sintra,Portugal (seu escritório mantém uma filial em Lisboa),além da ampliação dos institutos Moreira Salles e Burle Marx,no Rio. Já a assinatura de Miguel Pinto Guimarães está na revitalização do Jardim de Alah,no Rio,e no condomínio do Grupo Carnaúba,no Preá,Ceará (ambos com seu sócio na Opy,Sérgio Conde Caldas),e também na Escola Eleva Urca.
Sem contar as inúmeras residências,projetadas por um ou por outro,que carregam o espírito carioca do bem viver: amplitude,linhas limpas,estrutura moderna,toques de brasilidade e,sobretudo,conforto. “Fazemos casas para serem usadas de pés descalços”,define Miguel. “É esse despojamento que trazemos para a arquitetura.” Thiago se conecta com o mesmo jeito de morar: “Eu me sinto meio embaixador de dois mundos,tento equalizar São Paulo e Rio. A arquitetura paulistana era mais fechada,voltada para dentro. Hoje,com a mudança no clima,vive essa desconstrução que o Rio propõe”.
Projeto que a dupla está tocando,em Santa Catarina — Foto: Divulgação
Os dois acabam de completar 50 anos de vida e 30 de carreira. E,de presente,ganharam um reencontro. Por coincidência,foram convidados para criar torres vizinhas,em Porto Belo,Santa Catarina. Não demorou para decidirem juntar as pranchetas (sim,eles adoram desenhar para valer) e projetar o complexo inteiro,um resort com residencial,hotel,restaurantes,cafés. Mas as novidades não param por aí. A dupla também estreia,em breve,no design: vai criar uma luminária para a Lumini,empresa de iluminação.
Os dois concederam esta entrevista no escritório de Thiago,na Vila Madalena,em São Paulo. Foram quase duas horas de conversa entremeada por lembranças e reflexões sobre a profissão. Um balanço de uma amizade que segue firme,forte e amorosa. O segredo,talvez,esteja no contraste. Miguel é extrovertido. Thiago,reservado — tão tímido que nem queria que seu nome aparecesse na marca do primeiro escritório.
A arquitetura entrou na vida deles quando ainda eram crianças. “Sempre soube que seria arquiteto. Era meio nerd,passava o fim de semana inteiro desenhando”,diz Miguel. Já Thiago cresceu vendo o pai,Claudio,e o avô,Sérgio,dois ícones da arquitetura,em ação: “As obras eram meu parque de diversões”.
A Casa Península,no Guarujá (SP): da prancheta de Thiago — Foto: Divulgação
Com pouco mais de 15 anos,Miguel e Thiago passaram a integrar,como estagiários,a equipe de Claudio. Abriram o escritório com 18 e seguiram juntos pela década seguinte. O projeto de estreia foi um quarto para Diogo Pires Gonçalves,empresário,hoje marido de Marisa Monte. No dia a dia eram afinados e se completavam. Um tinha uma ideia,o outro a fazia crescer. E,quando era um desastre,a sinceridade falava mais alto. “Às vezes,eu sabia que o projeto estava ruim e ficava esticando para ver se ficava bom. O Thiago passava e falava: ‘isso está uma m...’ Aí eu jogava fora e começava de novo (risos)”. Thiago emenda: “Por isso é muito bom ter sócio!”.
A morte precoce de Cláudio Bernardes,em um acidente de carro no Mato Grosso do Sul,aos 52 anos,em 2001,surpreendeu a todos. No escritório do arquiteto,que tinha um braço em São Paulo,cem projetos aguardavam para serem concluídos. Para Thiago,não havia outra escolha senão tocar o negócio. “Ele morreu sem juntar dinheiro. Eu precisava ajudar a família,minha mãe,minhas irmãs”,lembra. Miguel avisou que acataria a decisão do amigo. Então,se juntaram ao sócio de Claudio,Paulo Jacobsen,e encararam o desafio. “Daqueles cem clientes,apenas um desistiu de seguir com a gente”,lembra Miguel.
Thiago trocou o Rio por São Paulo e foi vivendo o luto como podia (no ano seguinte,perdeu também o avô),enquanto Miguel ficava na ponte aérea. “Só sete anos depois,eu caí,exausto por enfrentar a loucura do trabalho,por lidar com a cobrança de ‘ser filho de’,‘neto de’. Comprei um carro e saí viajando um mês sozinho. Perdi alguns clientes,mas foi importante”,conta Thiago.
O estresse pesou para os dois e a sociedade acabou. Mas não o respeito. “Temos uma amizade e uma admiração enorme um pelo outro. Crescemos juntos,aprendemos o ofício juntos. Eu admiro a vontade de ousar,de experimentar do Thiago. Seus projetos são muito diferentes entre si”,elogia Miguel. Já Thiago reconhece no amigo um talento que via em Claudio: “O Miguel é expansivo,tem essa coisa generosa,de ser agregador. Tem facilidade para se relacionar com os clientes. Eu,não. Com o tempo,entendi que as dificuldades que tivemos no fim do relacionamento eram resultado de virtudes dele. Vivemos um casamento,com coisas boas e ruins.”
Na vida pessoal,experimentam recomeços. Em fevereiro,nasce o terceiro filho de Thiago. O terceiro de Miguel,Joaquim,está com 2 anos,e o Instituto Manu,criado para capacitar líderes em urbanismo nas comunidades,uma homenagem à filha,que morreu em 2019 vítima de leucemia,está decolando. A entrevista chega ao fim,e Thiago lembra do CD que deu de presente a Claudio,quando ele fez 50 anos. Saca o celular e toca “50 Anos”,de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos; Paulinho da Viola canta: “Acolho o futuro de braços abertos... Aos 50 anos,insisto na juventude”. Definição perfeita da dupla.