Dorival Júnior deixa o campo após a eliminação do Brasil da Copa América — Foto: Robyn Beck/AFP
GERADO EM: 09/07/2024 - 04:30
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Guardadas todas as proporções,dada a abismal diferença de impacto e de importância dos dois torneios,é de certa forma instrutivo que os dez anos do 7 a 1,completados ontem,coincidam com a mais recente eliminação da seleção brasileira,no último sábado. Se após grandes vitórias e impactantes derrotas o ato mais construtivo é entender por que se ganhou e por que se perdeu,o desastre do Mineirão pode oferecer alguns ensinamentos ao futebol brasileiro,outra vez confrontado com o decreto de falência que costuma suceder maus resultados.
Em um ponto,a goleada alemã e a vitória uruguaia nos pênaltis se encontram: ambas têm a nossa falta de apreço aos processos como protagonistas. Ainda que isso não explique,isoladamente,nenhum dos resultados — muito menos o 7 a 1,um destes placares escandalosos que o futebol só produz quando um conjunto improvável de circunstâncias decide se encontrar num ambiente já vulnerável.
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Há dez anos,o Brasil criava o consenso de que a goleada era retrato fiel da distância entre a escola de futebol daqui e a da Alemanha. Sempre tivemos inúmeros problemas a resolver: calendário,violência,instabilidade em trabalhos... Mas nenhum deles se reflete no futebol de seleções,praticado hoje por jogadores que não vivem a realidade doméstica do futebol brasileiro. E os jogadores daqui,desde então,nunca pararam de ser recrutados,às dezenas,pela elite econômica e técnica do futebol de clubes.
O 7 a 1 é um desastre daquela equipe,produto de uma cadeia de eventos irrepetível: um time limitado em seu jogo coletivo,pressionado a ganhar uma Copa em casa,perde seu craque e seu capitão para uma semifinal. Em desvantagem,o time desaba emocionalmente,mas nem isso torna o placar explicável,realista no futebol de alto nível. Soma-se o aproveitamento de chances raríssimo dos alemães: os quatro gols em sete minutos são quase uma aberração estatística,até em duelos com forças muito mais díspares. A diferença entre as escolas brasileira e alemã nunca foi um 7 a 1 – e os últimos anos ilustram de forma escancarada tal realidade.
Houve um efeito saudável,um debate estrutural. Mas o fundamental era entender por que o Brasil chegou tão frágil àquela Copa. Em grande parte,pela fragilidade dos nossos diagnósticos. A cada Copa perdida,elegemos uma causa e buscamos o caminho oposto. Em 2006,a percepção de relaxamento nos trouxe Dunga para o ciclo de 2010. A sensação de que aquele comando,além de tenso,era um tanto empírico,forçou o clamor por uma renovação. E veio Mano Menezes,com um currículo de títulos em clubes.
A derrota na Olimpíada nos fez substituir o discurso da renovação pelo da inexperiência,então recorremos à dupla Felipão e Parreira,jogando fora mais de dois anos do ciclo.
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Chegamos a Las Vegas,dez anos e cinco técnicos depois,sendo dois deles interinos. Desde a Copa do Catar,a seleção permaneceu mais de um ano num limbo,a ponto de Dorival Júnior encerrar a Copa América no que era apenas seu sétimo jogo no cargo. É justo apontar que a seleção jogou mal,deu escassos sinais de progressos,mas é impossível não ver o futebol pobre como resultado da falta de processos.
O debate sobre a falência brasileira ressurgiu,junto à tese de que não temos mais talentos,algo de que clubes como o Real Madrid discordam claramente. Ressurge a campanha pelo desapego aos jogadores que atuam fora do país,a mesma que quase nos fez jogar fora o ciclo entre as Copas de 90 e 94,a que terminou no tetra. Claro que há carências,em especial no meio-campo. Mas a real distância entre o Brasil e a elite do jogo de seleções só será percebida de forma realista quando ao treinador da vez for oferecido um projeto esportivo. É assim há muito mais de dez anos.
Pelo menos três dos semifinalistas da Copa América e da Euro atravessaram as campanhas sob críticas duras,com a sensação de expectativas não realizadas: casos de França,Inglaterra e Argentina. No fundo,tais desempenhos são um retrato do futebol de seleções atuais. É difícil transformar,no pouco tempo em que os times se reúnem,a soma de talentos num coletivo harmônico. As frustrações são cada vez mais recorrentes.
Com base na classificação do Brasileiro do ano passado,o Fluminense precisa trocar uma campanha de lanterna nas 15 primeiras rodadas por uma de sexto colocado nas próximas 23 para evitar o rebaixamento. Pior do que os números é o desempenho do time em sua transição entre dois trabalhos: em Fortaleza,o tricolor mal ameaçou o gol rival. Enquanto isso,a faixa etária do elenco cobra um preço alto em forma de lesões.
Como se previa,o surreal calendário brasileiro cobrou,em pontos perdidos no Maracanã,um preço do Flamengo. Um time extenuado não teve forças para virar contra o Cuiabá. Houve,ainda,um aspecto tático claro. Obrigado pelos desfalques a se tornar um time mais direto,vertical durante a Copa América,o Flamengo pela primeira vez no período se viu diante de um rival fechado atrás. Teve menos espaço para acelerar.