Instalação no Museu da Burocracia em Berlim — Foto: Douglas Silva do Nascimento
GERADO EM: 08/07/2024 - 04:30
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Uma exposição temporária em Berlim se define como o “museu mais alemão da Alemanha”. Com elevadas doses de humor e metáforas sarcásticas,o Museu da Burocracia aborda um dos temas centrais do país: a burocracia excessiva e o atraso na digitalização da terceira maior economia do mundo,com impactos inclusive em transações bancárias. As obras ilustram a enorme quantidade de artigos existentes na legislação alemã,longas filas de espera em departamentos e sistemas do Estado e excesso de papel gasto nas repartições públicas — que até hoje usam fax.
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O objetivo da exposição é justamente evidenciar atrasos tecnológicos na administração pública alemã e encorajar políticos e tomadores de decisão a lutarem contra a estrutura atrasada. Dois meses após sua abertura,o museu já recebeu milhares de visitantes,entre eles políticos dos principais partidos do país.
A iniciativa é uma proposta da INSM,uma organização voltada para a promoção de reformas liberais que fortaleçam a economia social de mercado na Alemanha. Para o CEO da empresa,Thorsten Alsleben,a burocracia se tornou um grande obstáculo para o mundo dos negócios: 58% das empresas alemãs dizem que não estão investindo no país por entraves burocráticos.
— Em todas as pesquisas de opinião entre as empresas,a burocracia é a desvantagem número um. É pior do que os altos impostos,os altos preços da energia ou a falta de mão de obra — afirma o especialista,que destaca o excesso de precaução como fator fundamental para o cenário. — Os burocratas,políticos e funcionários do governo na Alemanha tentam reduzir todos os riscos possíveis e todas as questões precisam ser regulamentadas para que não haja problemas. Mas,ao regulamentar cada detalhe,eles provocam um excesso na vida cotidiana normal.
Instalação no Museu da Burocracia em Berlim — Foto: Douglas Silva do Nascimento
Uma das principais esculturas da exposição,o “Behörden-Mühle” faz um jogo de palavras com uma expressão alemã que em português significa “moinho de repartições públicas”. O termo faz referência a processos muito burocráticos que cidadãos e empresas enfrentam cotidianamente no país. A obra é formada por 64 pastas de arquivos,uma média da quantidade de documentos necessária para reunir as cerca de 150 licenças que uma empresa precisa ter para instalar uma turbina eólica na Alemanha. Cada uma dessas permissões pode ter dezenas de páginas.
Algumas esculturas retratam,além do excesso de burocracia,o atraso no processo de digitalização do país. Na entrada do corredor principal há uma sequoia gigante por onde os visitantes precisam atravessar. O buraco no pedaço de árvore representa o quanto esses dois problemas consomem não só tempo,mas também papel. Dados da exposição garantem que,somente em 2023,o governo federal consumiu o equivalente à madeira de 19.150 árvores. Isso significa que,em média,52 árvores são derrubadas todos os dias apenas para a burocracia dos ministérios federais alemães.
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Há ainda a escultura de um homem,em referência ao Pensador,do artista francês Auguste Rodin,que mira uma pilha de máquinas de fax. O artefato,que pode soar antigo para os brasileiros,e até completamente desconhecido para a geração que completa 20 anos,ainda é usado por órgãos públicos na Alemanha.
Enquanto o brasileiro já se acostumou a fazer compras,receber dinheiro e pagar contas instantaneamente via aplicativos bancários,na Alemanha essas atividades não são tão rápidas como fazer um pix. Uma compra realizada no supermercado com o cartão de débito pode demorar dias para constar no extrato bancário. Transferir dinheiro para um amigo ou familiar também requer planejamento,já que muitas vezes o valor não é creditado no mesmo dia. Se a transferência for realizada no sábado,por exemplo,o favorecido pode ter que esperar até segunda ou terça-feira.
Instalação no Museu da Burocracia em Berlim — Foto: Douglas Silva do Nascimento
Um outro detalhe que chama a atenção de quem visita o país pela primeira vez é a dificuldade para fazer compras com o cartão. Lojas grandes e supermercados já aderiram ao pagamento digital,mas muitos bares e restaurantes,inclusive nas grandes cidades,só aceitam pagamento em espécie. De acordo com um relatório global de pagamentos da Worldpay,empresa do setor de tecnologia e soluções de pagamentos,em 2023,36% dos pagamentos no varejo na Alemanha foram feitos em dinheiro. Para efeito de comparação,no Brasil,esse número representa 22% das transações. Em países como Austrália,Canadá,China,Holanda e Noruega,é inferior a 10%.
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Além do apego ao papel,a Alemanha também enfrenta uma corrida contra a má cobertura de internet de alta velocidade no país. Segundo um levantamento de 2021 do Instituto Ifo,apenas um terço (33%) das residências alemãs tem a opção de usar uma conexão de um gigabyte. Neste ranking,o país aparece entre os últimos da Europa e está mais de dez pontos percentuais atrás da França e da média da União Europeia. Para os autores do estudo,a Alemanha não tem um problema de oferta,mas de demanda: onde a internet rápida está disponível,a capacidade total geralmente não é usada.
Dados de 2020 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que apenas 5% das conexões de internet usadas na Alemanha são de fibra ótica. Em uma comparação internacional,a Alemanha ocupa o 19º lugar entre 23 países da OCDE e economias parceiras. O primeiro colocado é a Suécia,onde as conexões de fibra óptica representam 25% do total.
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Uma lei criada em 2017,a “Lei de Acesso Online”,exigia que todas as autoridades federais,estaduais e municipais alemães oferecessem seus principais serviços administrativos digitalmente por meio de portais online até o final de 2022. No início de 2024,dos 575 benefícios,que incluíam,a carteira de motorista,apenas 153 haviam sido disponibilizados de maneira digital em todo o país,uma taxa de implementação de apenas 26,6%.
Instalação no Museu da Burocracia em Berlim — Foto: Douglas Silva do Nascimento
Para Alsleben,um dos fatores que contribui para o lento progresso no processo de digitalização é a dificuldade que autoridades federais,estaduais e municipais têm para chegar a um consenso sobre como essas melhorias devem ser implementadas.
Além disso,o CEO ressalta que alemães “são loucos por proteção de dados” e não sentem confiança em compartilhar informações pessoais com o Estado. Apesar das dificuldades,no entanto,ele acredita no futuro do desenvolvimento digital do país:
— Acho que as pessoas e empresas alemães podem ser muito criativas,mas isso tem sido bloqueado por uma administração e uma legislação muito rígidas. É importante romper essas correntes para que a Alemanha possa ser um ponto de investimento muito atraente — conclui.