Polícia instaura inquérito após morte de criança em desafio nas redes sociais — Foto: Reprodução
GERADO EM: 17/04/2025 - 22:03
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Uma menina morreu. Podia ser sua filha,neta,sobrinha,afilhada. Sarah Raíssa Pereira de Castro tinha 8 aninhos e a vida inteira pela frente. Não mais. Celular na mão,foi desafiada numa rede social a inalar desodorante aerossol. Sofreu uma parada cardiorrespiratória,e —apesar do esforço do avô,que a encontrou desacordada,e da equipe médica que tentou reanimá-la — sua morte cerebral foi constatada três dias depois da internação. A polícia do Distrito Federal abriu inquérito para apurar as circunstâncias do óbito e identificar os responsáveis pela viralização macabra. Em março,sem comoção,o Brasil já tinha perdido em situação semelhante Brenda Sophia Melo de Santana,de 11 anos,moradora de Bom Jardim,Agreste Pernambucano. A causa da morte foi “possível inalação,por via oral,de desodorante aerossol”. A família mencionou o desafio do desodorante,a que a pequena teve acesso também via internet.
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Entre 9 de março,quando Brenda morreu,e 13 de abril,dia da morte de Sarah,boa parte da Câmara dos Deputados esteve empenhada em buscar alternativas para assegurar a impunidade da organização criminosa que atentou contra a democracia,numa trama que,segundo o procurador-geral da República,Paulo Gonet,se desenrolou de julho de 2021 a 8 de janeiro de 2023. Parlamentares leais ao ex-presidente Jair Bolsonaro,tornado réu pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal por abolição violenta do Estado Democrático e tentativa de golpe,se aglutinaram para,na semana que os cristãos têm como santa,protocolar requerimento de urgência para um Projeto de Lei que anistia golpistas de todas as plumagens,restabelece direitos políticos,assegura a liberdade de atacar quem quer que seja na internet e criminaliza o Judiciário. Não há desodorante que tire do PL o fedor de ataque à democracia. O odor exala dos 262 deputados que assinaram o pedido para o texto ir direto ao plenário,sem passar por nenhuma das comissões da Câmara dos Deputados,como prevê o rito convencional.
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Mais da metade da dita Casa do Povo tem pressa para livrar Bolsonaro e seus apoiadores da condenação e do cumprimento de penas. Nada fazem contra a vitimização de meninas e meninos do Brasil pelos crimes disseminados por uma internet sem freio. Em verdade,a bancada da extrema direita,em aliança com as big techs,fez o máximo para impedir a aprovação da lei para regular e responsabilizar as plataformas digitais. A primeira tentativa foi em meados de 2023,depois de uma onda de violência contra escolas. Em março daquele ano,um adolescente de 13 anos esfaqueou quatro professoras e um aluno numa unidade de ensino na Vila Sônia,Zona Oeste da capital paulista. A professora Elisabeth Tenreiro,de 71 anos,morreu. Dias depois,um atentado deixou quatro crianças mortas numa creche em Blumenau (SC). Investigações revelaram que jovens e adolescentes são recrutados e treinados,via plataformas digitais,para cometer crimes. O ano terminou com recorde de ataques — 11,de 36 registrados no país desde 2001 — e zero regulação.
No ano passado,nova oportunidade foi desperdiçada. Em vez de dar andamento ao substitutivo finalizado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP),o então presidente da Câmara,Arthur Lira (PP-AL),preferiu aposentar o texto e instituir um grupo de trabalho para tratar da proposta,que jamais voltou ao papel. O ministro Alexandre de Moraes,do STF,responsável pelo inquérito das milícias digitais,vive a dizer que “internet não é terra sem lei”. Não faltam juristas a atestar que liberdade de expressão,ao contrário do que defendem expoentes da extrema direita brasileira em coro com o movimento global de mesma natureza,não é direito absoluto,mas relativo. É limitada pelo dano que pode provocar pela propagação da violência,expressa no racismo,na misoginia,na LGBTfobia,no bullying,na injúria,na incitação de todo tipo de crime,incluindo automutilação e suicídio.
O Legislativo brasileiro tem blindado o território livre da internet de controle — que,por sinal,incide em todas as outras relações do mundo real — para fazer do ódio instrumento político-ideológico. Não se importa com a vida de meninas inocentes como Sarah ou Brenda. Em 12 anos,segundo a Secretaria de Direitos Digitais do Ministério da Justiça,56 crianças e adolescentes brasileiros,de 7 a 18 anos,morreram ou se feriram gravemente em decorrência de desafios compartilhados nas redes sociais. Nesta semana,policiais da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima realizaram operação contra uma organização dedicada a crimes de ódio pela internet,mais por prazer e poder que por dinheiro. Um menino de 14 anos é apontado como líder. Por dia,a Polícia Federal recebe 1.500 denúncias sobre conteúdos potencialmente abusivos ou perigosos para menores. São dados enviados pelo Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC),na sigla em inglês),órgão do governo dos Estados Unidos que compartilha informações com outros países.
A situação é gravíssima. Não há agenda mais urgente do que garantir segurança — e vida — a brasileirinhas e brasileirinhos,que podem ser seus filhos,netos,sobrinhos,afilhados.