Escola onde houve ataque em 2023 — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Depois dos casos graves de violência nas escolas em 2023,o Ministério da Educação (MEC) criou um programa de treinamento à distância para professores. A intenção era prepará-los para enfrentar situações difíceis dentro e fora das salas de aula. Foram oferecidos cinco cursos a 1,8 milhão de docentes,mas apenas 7.581,menos de 0,5%,participaram do programa,de acordo com o Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC. Dois anos depois,o governo também encontra dificuldades para implementar outra promessa: um sistema de monitoramento e combate à violência escolar chamado Snave,com o objetivo de produzir estudos,mapear os casos e facilitar as medidas de prevenção e de enfrentamento do problema.
A realidade da rede de ensino do país deveria ser motivo suficiente para que as iniciativas fossem tratadas com mais urgência. Elas foram precipitadas por um dos casos de maior repercussão,ocorrido em São Paulo em março de 2023. Um ataque à faca matou uma professora e deixou quatro feridos. O agressor tinha 13 anos. Em novembro do ano anterior,um ex-aluno atacara a tiros duas escolas em Coqueiral de Aracruz,Litoral Norte do Espírito Santo,matando quatro pessoas,entre as quais três professoras,e ferindo 12. Em dezembro,um garoto de 10 anos fora agredido em Ibatiba,Espírito Santo. Hospitalizado com uma vértebra quebrada,terminou morrendo.
Violência: Lançado em 2023,treinamento do MEC contra ataques em escolas só foi feito por menos de 0,5% dos professores
Entre 2001 e 2024 foram identificados 42 ataques violentos em escolas,27 dos quais de março de 2022 a dezembro de 2024,de acordo com estudo coordenado pelas pesquisadoras Telma Vinha e Cléo Garcia,da Unicamp. Só em 2023 ocorreram 12 episódios. No final daquele ano,o MEC divulgou um levantamento contando 164 vítimas,49 delas fatais. Em 2024,o número de episódios caiu para cinco,em boa parte como resultado do canal de denúncias lançado pelo Ministério da Justiça.
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Isso não significa que os riscos tenham desaparecido. Por mais que pais e educadores tomem precauções,jovens têm acesso livre às redes sociais. O perigo que,nas gerações passadas,os rondava nas ruas eles agora encontram dentro do próprio quarto. No Guarujá,na Baixada Santista (SP),vídeos de agressões entre alunos do Colégio Don Domênico chamaram recentemente a atenção ao circular pelas redes sociais. No início deste ano,o Santa Cruz,colégio paulistano de elite,suspendeu 34 estudantes do 2º e 3º ano do ensino médio por manterem no WhatsApp um grupo com apologia ao racismo,antissemitismo,homofobia e misoginia. A violência escolar e a influência perversa das redes sociais também voltaram a ganhar atenção com o sucesso da série “Adolescência”,da Netflix.
Há nesse tipo de ataque muitos “crimes por imitação”,cometidos depois de casos de grande repercussão. É por isso fundamental que as autoridades,educadores e imprensa tenham sensibilidade ao lidar com esse tipo de notícia (os veículos do Grupo Globo seguem normas rigorosas definidas em seus Princípios Editoriais). A baixa adesão dos professores ao programa de treinamento não pode paralisar o governo. O MEC tem razão ao dizer que a agenda também depende de estados e municípios,mas o ministério tem o dever de desempenhar papel de liderança. O tema precisa estar nas preocupações de governantes,educadores e famílias.