Mariza Augusta (no centro) e seus familiares: eles são descendentes de Seu Geraldo Quilombo,figura histórica em Japeri,a cidade mais negra do Rio — Foto: Beatriz Orle
GERADO EM: 01/12/2024 - 22:38
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Em Japeri,na Baixada Fluminense,a família de Geraldo Augusto da Silva,conhecido como Seu Geraldo Quilombo,é uma das guardiãs da ancestralidade no município que é o mais negro do Rio — ali,76,6% dos cerca de 96,3 mil moradores se declaram pretos ou pardos,segundo o Censo 2022 do IBGE. Não é por acaso que a trajetória do agricultor de hábitos simples,vindo de Minas Gerais nos anos 1940,ainda é contada nas escolas locais,relembrada pela memória oral de seus descendentes.
Veja o perfil dos bairros do Rio: Leblon tem mais idosos e Barra concentra 12 mil lares com 4 banheirosCenso 2022: Rocinha volta a ser considerada a maior favela do Brasil e é mais populosa que 91% dos municípios do país
— Meu pai era um homem preto,com orgulho de suas raízes,que chegou aqui sem nada,apenas com força de vontade e conhecimento que trouxe da terra dos nossos antepassados. Ele sabia que o trabalho duro era a forma de construir algo. Acolheu famílias inteiras que não tinham onde morar. Construiu uma comunidade onde ninguém passava fome — conta Mariza Augusta da Silva,de 60 anos,uma das sete filhas de Geraldo,morto em 2022.
Hoje,os parentes e agregados por ele se espalham por quase todos os bairros de Japeri,cinco dos quais na lista dos dez do estado com maior proporção de população negra,aponta a análise dos microdados do último Censo. Ao compilar esses números para traçar um perfil dos bairros cariocas,O GLOBO mostrou ontem que,na cidade do Rio,a Mangueira é onde há maior predominância negra (75,3% dos moradores). Mas,quando a leitura é ampliada para fora da capital,revelam-se mais características do desenvolvimento urbano e social fluminense,seja sobre a cor ou raça da população ou outros aspectos,como a composição etária ou a densidade demográfica de cada região.
Japeri,por exemplo,é o retrato de um estado majoritariamente negro (58% dos habitantes em 2022),onde 76 dos 92 municípios têm maioria dos moradores que se autodeclaram pretos ou pardos. Ficam na cidade também os dois bairros do Rio medidos pelo IBGE com 90% ou mais da população negra: Lagoa do Sapo (91%) e Beira-Rio (90%). Na periferia metropolitana,o município é lembrado até em velhos sambas pela lonjura enfrentada por seus residentes nos deslocamentos para a capital em busca de emprego. Foi um caminho percorrido por Seu Geraldo nos anos 1960,para trabalhar na construção do Túnel Rebouças.
Na ocasião,ele foi acometido pela malária,mas sobreviveu. Morreu dois anos atrás,aos 98: longevidade que alude a um dos fenômenos evidenciados pelo Censo no estado,o envelhecimento de sua população.
Os bairros do Rio — Foto: Editoria Arte
É um processo que se dá de forma tão rápida que,segundo o levantamento,a partir de 2028 o Rio já deve começar a assistir à redução de sua população. No tema,ao se colocar uma lupa sobre os bairros — o IBGE só reuniu os dados daqueles legalmente constituídos,o que ocorre em 31 municípios fluminenses — o senso comum é posto abaixo. Copacabana,na Zona Sul carioca,ainda é um reduto de milhares de idosos. Mas sequer aparece no ranking dos 10 bairros do estado com maiores proporções de pessoas com 60 anos ou mais.
O Centro de Santa Isabel do Rio Preto,em Valença,no Médio Paraíba,é o primeiro da lista,com 41% dos moradores nessa faixa etária. Em seguida,aparece a Vila Santa Cecília (40%),em Volta Redonda. O único bairro da capital no ranking é o Leblon,com 35% de sua população idosa.
A realidade impõe ao poder público a necessidade de adotar políticas que atendam a essa parcela da população. Lícia Mattesco,superintendente da Pessoa Idosa da Secretaria de Estado de Juventude e Envelhecimento Saudável do Rio,conta que,dos 3 milhões de idosos em todo estado,926 mil estão no Cadastro Único — registro federal que permite acesso a programas voltados à população de baixa renda. O que,para ela,ressalta a importância de implementação de uma linha de cuidado transversal de saúde,assistência social,educação e outras áreas.
— Nosso cenário demográfico mudou completamente e isso exige de nós uma ação efetiva e urgente. Temos projetos para o atendimento a essa parcela da população e também atuamos na qualificação dos gestores municipais,que estão na ponta . Isso é essencial para garantir uma maior efetividade dos cuidados aos idosos na rede que já existe — diz Lícia.
Na construção das políticas públicas,não basta,porém,conhecer a população. Também é preciso entender como ela se distribui. Nesse sentido,a cidade do Rio é a mais populosa do estado,não é a mais adensada,título que pertence a São João de Meriti,conhecida como “formigueiro das Américas”,com 12.521 habitantes por quilômetro quadrado.
— O fato de ser plano e próximo do Rio facilitou a ocupação do município por migrantes do Nordeste e de áreas pobres de Minas Gerais a partir de década de 1940. Mas isso ocorreu de forma desordenada — destaca o economista Mauro Osório,professor da UFRJ.
Por bairro,a maior favela do Brasil,a Rocinha,com 48.366 mil pessoas por quilômetro quadrado,é o mais adensado do estado. Mas se engana quem pensa que só a capital e a Baixada têm seus “formigueiros humanos”. A lista tem bairros caros de Niterói,como Icaraí (31,7 mil por quilômetro quadrado). E favelas em cidades do interior que viveram ciclos econômicos impulsionados pelo petróleo ou pela construção naval,como a Nova Holanda (25,2 mil por quilômetro quadrado),em Macaé,e o Morro da Carioca (22,6 mil por quilômetro quadrado),em Angra dos Reis.