Complexo de Angra: especialistas destacam que energia nuclear tem baixa emissão de gases do efeito estufa e reforça confiabilidade do sistema por não se tratar de uma fonte intermitente — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
GERADO EM: 14/11/2024 - 22:23
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O governo federal está prestes a decidir o futuro de Angra 3,a terceira usina nuclear do país,em construção há 40 anos no complexo localizado à beira-mar no litoral sul do Rio. O ministro de Minas e Energia,Alexandre Silveira,já disse que o assunto será discutido na próxima reunião ordinária do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE),órgão capitaneado pela pasta e que conta com representantes de diversos ministérios. O encontro está marcado para o próximo dia 4.
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Para especialistas,a retomada do projeto —que exigirá um aporte de mais R$ 30 bilhões aproximadamente— é oportuna,porque a energia nuclear é uma fonte de baixa emissão de gases do efeito estufa (GEEs). Outro argumento em prol da construção é o fato de se tratar de uma fonte firme de energia,no momento em que as fontes intermitentes (eólica e solar) ganham espaço na matriz elétrica.
O ministro Silveira tem sido um defensor da conclusão da usina,destacando que ela terá um papel relevante na transição energética brasileira. Na semana passada,ele disse que o país tem que terminar o projeto para que Angra 3 deixe de ser “um mausoléu” e que “em um país continental como o Brasil,não há energia limpa e renovável sem essa fonte energética”.
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Para Aquilino Senra,professor da Coppe,o instituto de pós-graduação em engenharia da UFRJ,seria “descabido” não concluir as obras de Angra 3. Do ponto de vista econômico-financeiro,a conclusão recuperaria parte dos investimentos e,do ponto de vista da política energética,é uma fonte permanente.
— Não fazer é jogar dinheiro pela janela,é irrecuperável. Em fazendo,se recupera boa parte — afirmou Senra,que foi presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). — O Brasil está entrando num programa de transição energética,que troca fontes que emitem gases,como carvão e gás natural,por fontes renováveis,e aquelas que não emitem. No caso,a nuclear não emite (GEEs).
De acordo com Celso Cunha,presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan),além de não emitir GEEs,a fonte nuclear ainda permite preservar os reservatórios das hidrelétricas,num contexto de menos chuvas por causa das mudanças climáticas.
Vista aérea das obras paradas da usina nuclear Angra 3,no litoral fluminense — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
O abandono de Angra 3 também poderia inviabilizar a Eletronuclear,prejudicando toda a cadeia do setor no país,como a fabricação de medicamentos que usam radioatividade,os radiofármacos.
— Tecnicamente,o projeto está mais do que defendido. A discussão é política — disse Cunha.
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Para tirar o projeto do papel,será preciso aprovar novas diretrizes para o preço da eletricidade gerada por Angra 3,um dos objetos de decisão do CNPE — a tarifa é cobrada das transmissoras e distribuidoras que levam a produção da usina para o sistema elétrico nacional.
Uma resolução de 2021 do CNPE,ainda do governo Jair Bolsonaro,estabeleceu que a nova tarifa deveria ser definida com base num estudo de viabilidade econômico-financeira a cargo do BNDES,que desde 2019 trabalha no tema.
O estudo do banco,entregue no início de setembro,estimou uma tarifa de R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh). Segundo a Eletronuclear,o preço está condizente com a geração térmica no país. Com base nesse valor,o BNDES estimou que o projeto ficaria viável para a finalização das obras.
O investimento em obras foi calculado em R$ 23 bilhões,mas chega a R$ 30 bilhões para incluir a reestruturação de dívidas e correções monetárias. O endividamento total da Eletronuclear era de R$ 6,8 bilhões no fim de 2023,segundo o balanço financeiro da estatal.
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— O estudo do BNDES fala de uma captação de quase R$ 30 bilhões,porque é com juros e correção monetária —afirmou Raul Lycurgo,presidente da Eletronuclear,estatal que opera as usinas nucleares.
A empresa espera a decisão do CNPE no próximo mês,para retomar as obras até a virada de 2025 para 2026. Os próximos passos seriam a elaboração do edital e a licitação internacional para contratar construtoras especializadas. A usina ficaria pronta na virada de 2030 para 2031.
Angra 3 começou a ser construída na década de 1980. O projeto teve atrasos sucessivos,com crises econômicas e escândalos de corrupção,como os revelados pela Lava-Jato.
Os sucessivos atrasos provocaram situações inusitadas,como a manutenção de maquinário comprado na década de 1980. Para evitar a deterioração,os equipamentos são embalados a vácuo,passando por um processo periódico de lubrificação — segundo a Eletronuclear,parado,o canteiro de obras de Angra 3 custa em torno de R$ 1 bilhão por ano.
O estudo do BNDES também calculou em R$ 21 bilhões as perdas caso o governo desista do projeto. O cálculo inclui o que foi gasto em obras após 2010 (R$ 12 bilhões) e a quitação das dívidas — BNDES e Caixa são os principais credores — além de multas de contratos vigentes com fornecedores. Até agora,67% da usina já foi construída,em termos de progresso físico.
Dos R$ 21 bilhões,R$ 14 bilhões teriam que ser desembolsados no curto prazo,disse Lycurgo. Por isso,a Eletronuclear tem pressa na decisão do CNPE. Segundo Lycurgo,a estatal não tem caixa para fazer frente aos custos de desistência,e teria que ser socorrida pelo Tesouro para abandonar o projeto.
Por outro lado,a maior parte dos cerca de R$ 30 bilhões para a finalização viria de financiamento privado. Menos de 10% viriam dos sócios da Eletronuclear (União e Eletrobras,privatizada em 2022). Para os cofres públicos,a conta ficaria em R$ 1,6 bilhão,segundo Lycurgo.
Críticos do projeto chamam a atenção para o fato de que,na solução apresentada,ainda que diluído num prazo longuíssimo,o custo será pago por todos os consumidores,na conta de luz.
Cláudio Frischtak,sócio da Inter.B Consultoria,acha que seria mais transparente o Tesouro arcar com os custos para cobrir as perdas e privatizar a Eletronuclear. Essa hipótese,porém,exigiria uma emenda à Constituição,que atualmente veda a participação privada na geração nuclear.
Para Edvaldo Santana,ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),a tarifa ficaria alta demais:
— A usina contribuirá muito pouco e custará muito caro. Só os custos adicionais seriam muito maiores do que se a energia equivalente fosse comprada de eólica ou solar.