Rinoceronte em cena de 'Gladiador 2' — Foto: Divulgação
GERADO EM: 16/07/2024 - 00:01
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Os imperadores romanos se dedicaram a trasladar duas coisas,por milhares de quilômetros,somente para demonstrar que nada era impossível para eles: obeliscos egípcios,que pesavam toneladas,e animais exóticos tão grandes como elefantes e ferozes como leões ou tigres,capturados na África ou na Índia. O primeiro trailer de “Gladiador 2”,filme de Ridley Scott que estreia em novembro,exibe em pleno Coliseu um rinoceronte,animal comum nos violentos espetáculos com que os imperadores divertiam o povo e com os quais,sobretudo,pretendiam demonstrar que Roma podia dominar o mundo.
“O dia em que o imperador matou um rinoceronte” é o título do livro de Jerry Toner (não editado no Brasil) em que o professor de Cambridge mostra as chaves para a compreensão do circo romano. A sequência do trailer — em que Máximo lidera gladiadores que enfrentam um rival poderoso — mostra um rinoceronte gigante entrando na arena diante de um grupo de condenados,logicamente assustados com a magnitude da fera,sobre a qual aparece outro gladiador empoleirado.
“A presença de um rinoceronte foi o que garantiu a grandeza dos jogos”,escreve Toner. Ele relata que Pompeu,o Grande,ofereceu um exemplar em seus jogos no ano 55a.C. e que “o imperador Tito havia trazido um rinoceronte para os jogos com os quais celebrou a inauguração do Coliseu,no ano 80”. O animal,a princípio,ficou paralisado,mas depois atacou brutalmente um touro,que lançou ao ar sob aplausos da multidão atordoada. Mas o rinoceronte mais famoso foi aquele trazido por Cômodo,o imperador psicopata,obcecado por jogos e vilão do primeiro “Gladiador” de Scott.
“Os líderes romanos parecem ter uma fixação em matar animais exóticos”,escreve Toner. “Com a pele com quase cinco centímetros de espessura em alguns lugares,um rinoceronte não é um animal fácil de matar,mesmo com um rifle moderno. Vamos imaginar a quantidade de flechas ou lanças ou a ajuda de outras pessoas que Cômodo deve ter precisado para derrubar a pobre fera”.
Paul Mescal e Pedro Pascal em "Gladiador 2" — Foto: Divulgação
Se,hoje,ver um rinoceronte em um zoológico ou no meio selvagem é uma experiência inesquecível,é difícil imaginar a impressão que o animal deve ter feito chegar ao público romano. Não era,de todo,uma figura desconhecida,mas parecia uma criatura mítica.
Diga-se que o rinoceronte que aparece em “Gladiador 2” é claramente africano,distinguindo-se dos seus parentes asiáticos pela presença de dois chifres.
O problema não estava apenas em matar ou manejar um rinoceronte no circo,mas em capturá-lo numa época em que não existiam dardos tranquilizantes.
“De todas as manifestações artísticas,os mosaicos são os que talvez nos ofereçam mais informações sobre a fase de captura do animal”,escreve a pesquisadora María Engracia Muñoz-Santos.
A captura certamente começou com uma ordem de organização de um show de alguém poderoso,e os caçadores eram uma combinação de nativos e legionários: “Há evidências da participação de soldados romanos. Provavelmente fazia parte do dever ou do treinamento de um soldado”,relata a pesquisadora.
Provavelmente foram utilizadas redes e armadilhas diversas ou,no caso dos felinos,encheram-se poças de vinho para embebedá-los.
Para quem já assistiu a “Hatari!”,filme de Howard Hawks sobre um grupo de aventureiros que ganha a vida capturando animais para um zoológico,prender um rinoceronte nos tempos antigos parece um trabalho entre o épico e o suicida.
Mas todo esse esforço tinha um significado que ia muito além da violência e do espetáculo. Além disso,nem todos gostavam da brutalidade dos jogos: imperadores como Marco Aurélio e filósofos como Sêneca não hesitaram em mostrar seu descontentamento com a selvageria do que aconteceu na arena.
Mary Beard escreve em seu último ensaio,“Imperador de Roma”,que “os animais mais raros e notórios em exposição evocavam os lugares mais escondidos e perigosos do mundo natural,para os quais Roma estava destinada (no entanto,duvido que muitos dos presentes na audiência acreditassem) a conquistar ou domar.”
A célebre estudiosa da Roma Antiga,autora também de um livro sobre o Coliseu,escreve ainda sobre o caráter metafórico do “espetáculo”: “Não importa quanto prazer visceral e pessoal os espectadores possam ou não ter sentido na violência. As performances também funcionavam como uma metáfora para o poder romano. Pelo simples fato de estarem sentados em trajes formais para assistir ao espetáculo,os participantes vivenciaram o domínio de Roma e dos romanos e sentiram que participavam do poder”.
Os jogos,como tudo na Roma Antiga,eram uma questão de poder. E dominar uma criatura como um rinoceronte era a expressão máxima do que Roma poderia fazer com qualquer povo que cruzasse o seu caminho. Enquanto isso,teremos que esperar até novembro para ver nos cinemas como termina a nova batalha campal no Coliseu.