Para o diretor de Estratégias de Seguros da Allianz Global Investors (gestora de ativos pertencente à Allianz),Matthieu de Clermont,a reação dos mercados ao resultado das eleições foi sobretudo de silêncio e,de momento,estão no "modo esperar para ver".
A diferença entre as obrigações a 10 anos de Alemanha e França aumentou ligeiramente na segunda-feira,mas depois diminuiu enquanto se aguardam desenvolvimentos para formação de um novo Governo.
Na análise divulgada à imprensa,o analista considera ainda que para os mercados é uma boa notícia a Nova Frente Popular (coligação de partidos de esquerda) ter ganhado sem maioria absoluta pois o seu programa é "visto como uma ameaça à estabilidade financeira".
Contudo,Clermont antecipa que a "calma deve ser temporária" pois França está num "processo de deterioração das finanças públicas" (em 2023,o défice orçamental foi de 5,5% Produto Interno Bruto e a dívida pública de 110,6% do PIB) a que os mercados prestam grande atenção.
Ainda assim,destaca a solidez das empresas francesas e o facto de apenas 19% do índice bolsista CAC 40 depender da economia francesa. Contudo,avisa,"os investidores devem esperar um prémio de risco mais elevado e volatilidade do mercado".
Para os analistas da gestora de ativos Schroders,os investidores receiam que um Governo "anticapitalista de esquerda crie entraves às grandes empresas francesas" e consideram que um cenário menos preocupante seria o de uma coligação com forças mais de centro.
Sobre a volatilidade dos mercados,os analistas da Schroders consideram que nas obrigações de França o mercado já tinha antecipado grande parte da incerteza. As ações francesas também já tinham tido em junho um desempenho inferior devido à incerteza política (sobretudo empresas mais dependentes do mercado doméstico),mas admitem que alguma volatilidade pode criar oportunidades em títulos subvalorizadao.
Tanto as análises de Allianz como de Schoroders referem mesmo que,no curto prazo,um parlamento paralisado até pode ser positivo para os mercados pois não há risco de aprovar "políticas extremas".
O 'trader' do Banco Big Gonçalo Quaresma considera que o mercado está atualmente a "descontar alguma possível estabilidade governativa" que possa ser trazida por uma aliança entre partidos da Frente Popular e de centro-direita (desde logo o do Presidente de França,Emmanuel Macron).
"Este cenário isola os blocos de extrema-esquerda e extrema-direita,trazendo assim alguma moderação a nível orçamental,permitindo que setores como banca,seguradoras ou até construção sejam algo beneficiados quer por via de moderação orçamental quer por via de retirada de algumas propostas de nacionalização de empresas e permitindo uma redução de volatilidade no mercado francês",afirmou à Lusa.
Quanto à posição de França perante a Comissão Europeia devido às regras orçamentais,a análise da Allianz considera que está num "ponto crítico" (a Comissão tem a França em Procedimento por Défice Excessivo) e não antecipa que o país consiga ter um défice abaixo de 3% do PIB em cinco anos. Para a Schroeders,França mina os esforços europeus de contas equilibradas e pode levar outros países a também não cumprir,considerando que com isso aumenta a "probabilidade de uma maior volatilidade nos mercados e,levada ao extremo,de uma nova crise da dívida soberana".
Os riscos referidos por estes analistas também têm sido falados em França,desde logo de dentro das instituições. O ainda ministro da Economia e Finança,Bruno Le Maire,avisou do risco de "crise financeira" e "declínio económico",considerando que o projeto da Frente Popular é "exorbitante,ineficaz e ultrapassado" e tem uma legitimidade "fraca e circunstancial".
O governador do Banco de França,François Villeroy de Galhau,alertou para um possível aumento do défice e dos custos das empresas em resultado de decisões de um futuro Governo.
O programa económico da Frente Popular inclui um aumento de mais de 14% do salário mínimo para 1.600 euros mensais líquidos,aumento no salário dos funcionários públicos,limites a preços de produtos básicos e reversão da reforma das pensões. Isso seria financiado por impostos sobre empresas e mais-valias de capital e sobre os ricos (em particular o restabelecimento do imposto sobre as fortunas que Macron aboliu no início do seu mandato).
Para o professor de economia José Reis não se pode olhar para o impacto na economia com "óculos de alcance muito limitado".
O professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra considera que a política e a economia francesas estão "num processo de desorganização preocupantes",com degradação da capacidade produtiva e industrial e com gente excluída do processo económico,e que esta pode ser uma oportunidade de refundação do modelo sócio-económico.
Para o economista,os problemas macroeconómicos de França (défice,endividamento,etc.) são consequência dos problemas acumulados e o que está em causa "é saber se destas eleições resulta uma reforma de economia política" de longo alcance.
"A França tem de certa forma os problemas que a Europa tem,de um espaço económico em perda. A solução política não pode ser só saber como o futuro Governo vai gerir as contas públicas,mas se tem um plano de médio e longo prazo (...) de refundação da política macroeconómica,industrial,de emprego,de relação com território",disse.
Quanto às análises que consideram que um parlamento paralisado até pode ser positivo,José Reis considerou que a macroestrutura financeira "gosta de ser o único detentor do poder",mas que é a esfera política que tem a legitimidade popular e deve assumir o poder.
Considerou ainda que a vitória da Frente Popular foi também a "vitória da inteligência eleitoral e do sistema eleitoral francês",mas que a França tem um problema democrático importante a resolver visto que a extrema-direita foi quem conseguiu maior número de votos.
"É a economia política o que vai daqui sair,o modo como a economia se reorganiza e estabelece instituições,formas de entendimento,projetos de médios e longo",disse.
Nas eleições legislativas de domingo,a coligação de esquerda Nova Frente Popular obteve 182 lugares,ficando à frente da aliança centrista de Macron,com 168,e do partido de extrema-direita União Nacional (RN,em francês),com 143 lugares.
Até ao momento,nem Emmanuel Macron nem a Nova Frente Popular fizeram qualquer progresso na nomeação consensual de um candidato para o cargo de primeiro-ministro.