Metade dos alunos da rede municipal de ensino retornam às aulas em Porto Alegre — Foto: Fotos de Rafa Neddermeyer/Agência Brasil/20-5-2024
GERADO EM: 28/06/2024 - 04:35
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No dia em que a Escola Municipal de Educação Básica Liberato Salzano Vieira da Cunha,no Sarandi,Zona Norte de Porto Alegre,completou 70 anos,a chuva começou a cair forte na cidade. Fundado em 3 de maio de 1950,o colégio estava preparado para a festa,mas viveu um longo inverno que dura até hoje. Livros,brinquedos,piso,fiação elétrica,documentos e tudo o mais que estava no primeiro andar foi destruído por uma coluna d’água de 1,2 metro.
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— A gente está trabalhando junto com a Secretaria de Educação numa proposta de reforma,enquanto estuda a possibilidade de atender esses alunos em outro espaço que não é da escola — conta Paulo Sérgio da Silva,de 57 anos,professor de História e vice-diretor do colégio.
A dura realidade da Liberato da Cunha ainda é comum no Rio Grande do Sul após as chuvas. Só na cidade de Porto Alegre são 41 escolas da rede municipal que carecem de reformas devido aos danos causados pela água. Duas delas,a Escola Municipal de Educação Fundamental João Goulart e a Escola Municipal de Educação Infantil Vila Elizabeth,ficaram debaixo d'água até o início de junho e foram as mais afetadas. Ambas ficam no Sarandi.
— Entregamos em mãos ao ministro da Educação um documento solicitando recursos para recuperação física das escolas. O montante previsto e solicitado é de R$ 45 milhões. Aguardamos as orientações e apoio do MEC e do governo federal. A maior parte das reformas refere-se a troca de portas,janelas e pisos,pintura e desintoxicação — afirma o secretário municipal de Educação,Maurício Gomes da Cunha.
Enquanto isso,o município estuda se alguma escola precisará mudar de lugar e também a possibilidade de colégios temporários para agilizar a volta às aulas funcionando em estruturas próprias da Secretaria de Educação do município,do estado ou mesmo em espaços alugados.
Por sua vez,o governo do estado prevê a criação de pelo menos oito escolas de campanha. De acordo com Raquel Teixeira,secretária estadual de Educação do Rio Grande do Sul,esses são prédios pré-moldados de diferentes tamanhos e fácil instalação,para agilizar a volta às aulas. Além disso,também estão sendo realizadas aulas em diferentes prédios cedidos pelas comunidades,como nos fundos de uma igreja no município de Roca Sales.
— Estamos buscando soluções para que todos os alunos tenham aula. Mas,em algumas regiões,ainda é muito difícil. As ilhas de Porto Alegre,por exemplo,não têm terreno seco o suficiente que permita a construção nem de escolas de campanha. Isso significa sete mil alunos ainda sem data prevista de retorno,e temos até dificuldade para encontrá-los. Muitas dessas famílias perderam as casas,os bens,tudo. Não é como na pandemia,em que a gente sabia onde eles estavam — diz Teixeira.
De acordo com o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) do Rio Grande do Sul,até meados de junho,30 escolas particulares que foram afetadas pelas chuvas já estavam reabertas. Na rede estadual,segundo Raquel Teixeira,são 43 escolas ainda fechadas que vão precisar de reformas. Elas concentram 3% dos alunos da rede,o que representa mais de 15 mil crianças e adolescentes. Apesar da situação difícil,no auge da crise 1.090 colégios foram afetados com quase 400 mil alunos prejudicados.
— Já decidimos que não vamos repor essas aulas nos fins de semana ou nas férias. A rede toda está exaurida. Os professores precisam descansar. A recomposição de aprendizagem já está acontecendo com diferentes metodologias. Nas escolas que ficarem mais tempo fechadas,vamos desmembrar o calendário em 2025 — conta a secretária,que pede ajuda para duas campanhas de arrecadação. — Uma de livros para as bibliotecas,haja vista que muitas perderam tudo,e outra de materiais escolares para as crianças.
Algumas cidades menores chegaram a ter quase toda a rede atingida. No caso de Eldorado do Sul,14 das 18 escolas foram danificadas e precisarão passar por algum tipo de obra. Uma delas ficou cheia d’água até o segundo andar. A limpeza tem sido feita por equipes da prefeitura com reforço de homens da Marinha e até de professores que se voluntariaram.
— Uma das escolas não conseguimos ainda acessar porque tem quase um metro e meio de terra nas ruas e no pátio — conta João Gomes,secretário municipal de Eldorado do Sul.
Enquanto as instituições de ensino tentam reabrir,as famílias se preocupam. Moradora do bairro Fátima,em Canoas,Janaina Moura Pinto,de 30 anos,lembra que os filhos de 12,14 e 16 anos já passaram quase dois anos sem aulas na pandemia de Covid-19,entre 2020 e 2022,e agora voltam a ficar mais de 45 dias longe das salas.
— Isso prejudicou muito o desenvolvimento deles. Especialmente da minha filha mais nova. Na pandemia,ela estava no segundo ano e não foi bem alfabetizada. Até hoje ela tem dificuldade. E também na parte social,ela tem dificuldade de fazer amigos — conta Janaína,que perdeu a maior parte dos móveis de casa e está dormindo com os três filhos sobre um pallet que é usado de base para colchonetes. — Com a escola fechada,meus filhos passam o dia em casa.
No ensino superior,as universidades federais do estado já receberam recurso extra para ajudar na limpeza dos prédios. No entanto,o pior ainda está por vir. De acordo com Isabela Fernandes Andrade,reitora da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e presidente do Fórum de Reitores das Instituições Públicas de Ensino Superior do RS (Foripes),a estimativa inicial indica que serão necessários R$ 95 milhões para a reforma de todos os espaços atingidos.
— Chegamos a esse valor depois de uma avaliação preliminar feita ainda no auge da crise. Alguns prédios ainda estavam alagados e,por isso,a quantia exata ainda pode crescer — diz ela.
Algumas instituições já reabriram para retomar as aulas,mas muitas haviam aderido à greves dos professores e técnicos. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) anunciou que só volta completamente em julho. Na Ufpel,que começou a retomar as atividades em meados de junho,a reitora afirma que os prédios foram danificados por três eventos climáticos em menos de um ano: dois vendavais (um em setembro de 2023 e outro no começo desse ano) e as enchentes históricas de maio.
— Ainda há reparos a serem feitos do primeiro vendaval,e isso demanda recursos de investimento,o que está bastante limitado. Não só aqui,mas em todas as universidades — conta.