Fotomontagem com registros de reunião entre o presidente Lula e empresários no Palácio do Planalto,incluindo os irmãos Joesley Batista (à esq.) e Wesley Batista (à dir.),da J&F,em maio deste ano — Foto: Fotos de Brenno Carvalho/O Globo
Vez por outra,um negócio bilionário chama a atenção em Brasília pelo valor,pelas circunstâncias ou pelos personagens envolvidos. No caso da venda de 12 usinas térmicas da Eletrobras na região amazônica,arrematadas pela Âmbar Energia,dos irmãos Joesley e Wesley Batista,foi tudo isso junto.
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As usinas eram oferecidas na praça desde julho de 2023 e,em bom português,eram um mico. A principal cliente,a distribuidora Amazonas Energia,está quebrada e inadimplente,e a dívida acumulada de R$ 9 bilhões com as térmicas cresce R$ 150 milhões a cada mês. Quem comprasse o pacote levaria junto o calote,o que dificultava aos interessados fazer suas propostas. Até que a Âmbar ofereceu R$ 4,7 bilhões — e levou.
O anúncio do negócio,no último dia 10,intrigou o mercado,que ficou se perguntando como a conta fechava. Dois dias depois,uma Medida Provisória (MP) do governo Lula sanou a curiosidade. Numa tacada,a MP repassou os R$ 150 milhões mensais do custo das usinas para as contas de luz de todos os consumidores brasileiros. Só isso já eliminou o risco e fez o mico arrematado por Joesley e Wesley ficar bem mais bonito e cheiroso. Mas tem mais.
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A MP também dá 60 dias para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) criar uma solução para a Amazonas Energia. Pelas regras atuais,a concessão teria de ser devolvida à União,que seria obrigada a assumir a distribuidora e o prejuízo de R$ 2 bilhões a R$ 4,7 bilhões por ano.
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O doleiro Alberto Youssef: "marco zero" das investigações,a partir de um inquérito do ex-delegado da Polícia Federal Gerson Machado,de 2008,sobre lavagem de dinheiro — Foto: Jorge William / Agência O Globo - 27/10/2015
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Paulo Roberto Costa,ex-diretor de abastecimento da Petrobras. Ligações com Youssef deu origem à investigação sobre a estatal — Foto: Jorge William / Agência O Globo - 25/08/2015
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O ex-senador Delcídio do Amaral. Foi preso pela Polícia Federal em novembro de 2015,por tentar obstruir as investigações tentado impedir a delação premiada de Nestor Cerveró,ex-executivo da Petrobras — Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
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Nestor Cerveró,ex-diretor da Petrobras. Preso em 2015,na oitava fase da operação,delatou outros envolvidos. Foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro — Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo - 01/08/2016
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Otávio Marques de Azevedo e Marcelo Odebrecht,presidentes,respectivamente,da Andrade Gutierrez e Odebrecht,presos em 2015. Lava-jato atingiu grandes empreiteiras em junho daquele ano — Foto: Geraldo Bubniak - 20/06/2015
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O ex-governador Sérgio Cabral. Preso em 17 de novembro de 2016,durante a operação Calicute,da Polícia Federal. Acusado de liderar o desvio de R$ 224 milhões de reais em valores ilícitos — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo - 17/11/2016
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No exercício do cargo,o então governador Luiz Fernando Pezão foi preso no Palácio Laranjeiras,acusado de corrupção em um dos desdobramentos da Lava-jato — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo - 29/11/2018
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Eike Batista,dono do grupo EBX. Preso em janeiro de 2017,na Operação Eficiência,sobre esquema de desvio e lavagem de dinheiro de contratos do governo do Estado do Rio — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo - 30/01/2017
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Publicidade Iniciada em março de 2014,conjunto de investigações contra a corrupção já levou à prisão desde empresários a políticos,incluindo dois ex-presidentes da República
Como o governo não quer a distribuidora falida,mas ninguém a comprará do jeito como está,a MP autoriza a agência regulatória a flexibilizar as regras para que uma empresa assuma o negócio.
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E aí vem outra “surpresa” boa para os Batistas. O contrato de compra das térmicas prevê que,se a Âmbar também comprar a Amazonas Energia,poderá transformar a dívida de R$ 9 bilhões em participação societária da Eletrobras. Isso coloca a companhia em vantagem para levar também a distribuidora já saneada sem desembolsar mais nenhum real — e passar a dominar o fornecimento de energia na Região Norte.
Num espaço de 48 horas,o mico adquirido por Joesley e Wesley se transformou em príncipe cobiçado,graças à MP assinada pelo ministro de Minas e Energia,Alexandre Silveira. A transação deixou indócil a oposição,que apertou Silveira na Câmara dos Deputados em audiência na semana passada. O ministro disse que a MP já era estudada havia meses e que o fato de ter saído apenas dois dias depois da compra foi “mera coincidência”.
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No caso da Âmbar,porém,as coincidências se repetem. Em setembro do ano passado,a empresa comprou da Eletrobras outra usina que também era um mico,Candiota,no Rio Grande do Sul.
Movida a carvão e sem nenhum contrato,a usina estava prestes a fechar. Mas,15 dias depois do negócio,surgiu na Câmara um Projeto de Lei do senador Paulo Paim (PT-RS) prorrogando a autorização de funcionamento por mais 15 anos e incluindo a usina no Programa de Transição Energética Justa — também com o custo distribuído nas contas de luz,sob o pretexto de garantir emprego aos carvoeiros.
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O projeto não chegou a ser votado,mas a extensão das concessões de usinas a carvão já surgiu em forma de jabuti noutro Projeto de Lei que está no Senado Federal que,em tese,seria destinado apenas a regulamentar as usinas eólicas em alto-mar.
Tancredo Neves dizia que em política não existem coincidências. Silveira,mineiro como Tancredo,certamente conhece a máxima — e conhece também a habilidade negocial dos Batistas.
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Na era da Lava-Jato,eles fecharam uma delação com o Ministério Público Federal e entregaram a cabeça do então presidente Michel Temer e de uma série de políticos. Em 2023,quase conseguiram um desconto de R$ 6,8 bilhões na multa de R$ 10,3 bilhões que tinham de pagar como parte do acordo — o benefício acabou cancelado depois de rachar o MP.
Em dezembro passado,fecharam com o Ministério de Minas e Energia um acordo para intermediar a venda de energia da Venezuela a Roraima,que deve render à Âmbar algo como R$ 1,7 bilhão.
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Negociado em sigilo pela empresa diretamente com os venezuelanos,o acordo acabou revelado antes da hora,o que levou a oposição a propor uma CPI que nunca saiu e o governo brasileiro a incluir mais empresas na transação.
O negócio com as térmicas,portanto,é apenas o último capítulo da saga. De coincidência em coincidência,os Batistas foram refazendo seu caminho de volta ao topo,em Brasília. Tancredo Neves ficaria impressionado.