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'Não falou mais nada e sumiu': como rede de tráfico humano aliciou dois jovens brasileiros impedidos de deixar Mianmar

Dec 18, 2024 IDOPRESS
Phelipe Ferreira e Luckas Viana se tornaram vítimas de rede de tráfico humano em Mianmar após falsas propostas de emprego — Foto: Reprodução

Phelipe Ferreira e Luckas Viana se tornaram vítimas de rede de tráfico humano em Mianmar após falsas propostas de emprego — Foto: Reprodução

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GERADO EM: 17/12/2024 - 21:59

Brasileiros vítimas de tráfico humano na Ásia

Brasileiros são aliciados para falsas vagas de emprego na Tailândia e acabam capturados em Mianmar,sofrendo exploração e tortura em redes de tráfico humano. Autoridades brasileiras acompanham o caso,enquanto gangues movimentam bilhões na região. Embaixadas alertam para esquemas de escravidão moderna,com vítimas mantidas em condições desumanas.

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Cerca de um mês após o paulistano Luckas Viana dos Santos,de 31 anos,cair em uma rede de tráfico humano no Sudeste Asiático,outro brasileiro se tornou vítima do mesmo esquema internacional. Assim como o compatriota,Phelipe Ferreira foi atraído por uma vaga de emprego na Tailândia e viajou à região,antes de ser capturado e perder contato com familiares. O caso é acompanhado pelo Ministério das Relações Exteriores e autoridades policiais.

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— Ele já tinha trabalhado na Tailândia em um cassino no ano passado. De lá,ele foi para Dubai e ficou três meses também em um cassino,e,depois,seguiu para as Filipinas. Em agosto,ele voltou ao Brasil e conseguiu um emprego no Uruguai,mas logo em seguida chegou essa proposta pelo Telegram — relata Antônio Ferreira,pai de Phelipe.

A oferta feita pela rede social dava conta de uma vaga emprego em um call center de Bangcoc,com salário de US$ 2 mil mais comissões e um cargo de líder em uma equipe. Com as passagens pagas pela suposta empresa,o brasileiro embarcou rumo à Tailândia,onde chegou no fim de novembro e ficou hospedado em um hotel.

— A um amigo,ele falou (por telefone) que ia chegar o motorista que iria levá-lo à empresa. Ele entrou nesse carro e,passadas duas horas,percebeu que algo de errado acontecia. Ele não falou mais nada e sumiu — conta Antônio.

A partir do dia 22 daquele mês,os familiares perderam o contato com o rapaz. A última localização do telefone do brasileiro indica que ele estava em uma estrada próximo a uma área de mata em Mianmar.

O relato feito por Antônio Ferreira é similar ao de Cleide,mãe de Luckas Viana. Ela narra que o filho também tinha experiência trabalhando em cassinos no Sudeste Asiático,onde atuava no atendimento a clientes brasileiros. Ele se mudou para a Tailândia no mês de setembro em busca de novas oportunidades de emprego.

— A ideia era trabalhar em um cassino — diz a mãe do brasileiro,que,segundo ela,chegou a trabalhar em um hostel nos primeiros dias no novo país. — Foi aí que apareceu a vaga pelo Telegram. Ele iria trabalhar como intérprete de brasileiros. Ofereceram moradia,um salário equivalente a R$ 8 mil e um contrato de seis meses.

O local do emprego seria a cidade tailandesa de Mae Sot,que faz fronteira com Mianmar e está a seis horas de carro de Bangcoc. Assim como ocorreu com Phelipe,um motorista da suposta empresa foi buscar Luckas Viana na madrugada. No trajeto,aconteceram trocas de carro,e o brasileiro chegou a realizar trechos da viagem de barco,ultrapassando a fronteira.

— Ele entrou no carro e ficamos conversando. Eu comecei a achar estranho,porque tinha hora que ele falava que ia desligar — lembra Cleide.

Tanto Cleide quanto Antônio temem pela segurança dos filhos. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO que acompanham o caso,Phelipe Ferreira e Luckas Viana são mantidos no mesmo complexo de Mianmar em condições precárias. Assim como outras vítimas de tráfico humano na região,eles são obrigados a aplicar golpes virtuais em pessoas do mundo todo. Nesses locais,os estrangeiros são vítimas de torturas,envolvendo choques e agressões físicas. Ameaças de morte também são constantes.

"Meu filho está preso nas redes cruéis do tráfico humano,sendo explorado,torturado e forçado a cometer crimes contra sua vontade",publicou Cleide em um depoimento nas redes sociais. "Cada segundo conta,sei que o caminho para a liberdade exige apoio financeiro para despesas legais e investigação privada. Recentemente,recebi uma ligação do meu filho (8/12),dizendo que pediram o valor de 20 mil dólares para liberarem ele (cerca de 122 mil reais + a taxa do site de 6%)",acrescentou.

Os familiares dos brasileiros recebem assistência e orientação de uma ONG internacional especializada em casos do tipo. Ambos se queixam do que entendem como uma demora das autoridades em agir. Procurado,o Itamaraty disse acompanhar o caso com atenção e estar em "contato com as autoridades competentes,inclusive policiais,e com os familiares dos brasileiros".

"Ao longo das últimas semanas,foram realizadas diversas gestões junto ao governo de Myanmar,com vistas a localizar e resgatar os nacionais — operação que compete às autoridades policiais locais. A Embaixada do Brasil em Yangon segue,igualmente,em contato frequente com os familiares dos assistidos,prestando-lhes assistência consular",diz ainda a nota.  

Procurada,a Embaixada de Mianmar no Brasil não se manifestou.

Gangues e milícias movimentam US$ 3 trilhões ao ano

Mianmar representa um desafio para nações que tentam resgatar e proteger seus cidadãos de esquemas como esses. Nos últimos anos,o país,assim como o restante da região,que inclui Laos,Camboja e Tailândia,se tornou base para grupos criminosos,muitos de origem chinesa,que se aproveitam das vulnerabilidades locais para montarem imensas operações clandestinas.

No poder desde um golpe em 2021,a Junta Militar à frente do país não comanda boa parte do território e se vê envolvida em conflitos armados com diferentes facções de bases étnicas. Grupos criminosos associam-se às diferentes milícias atuantes em Mianmar para garantirem a continuidade dos negócios clandestinos. Em março deste ano,o secretário-geral da Interpol,Jurgen Stock,declarou que o dinheiro movimentado por esses grupos pode chegar a US$ 3 trilhões.

"Impulsionados pelo anonimato online,inspirados por novos modelos de negócios e acelerados pela Covid,esses grupos do crime organizado estão agora trabalhando em uma escala que era inimaginável há uma década",declarou Stock,em uma coletiva de imprensa. “O que começou como uma ameaça criminal regional no Sudeste Asiático tornou-se uma crise global de tráfico humano,com milhões de vítimas,tanto nos centros de fraude cibernética como nos alvos".

As vítimas levadas para atuar nesses golpes virtuais ficam mantidas em complexos que funcionam como prisões. É o caso do KK Park,na fronteira entre a Tailândia e Mianmar. Identificado como Lucas,uma das vítimas desse esquema descreveu o local à emissora alemã Deustche Walle em uma reportagem publicada em janeiro deste ano.

"Trabalhamos 17 horas por dia,sem queixas,sem férias,sem descanso. E se dissermos que queremos ir embora,eles nos dizem que nos venderão ou nos matarão”,disse Lucas,que é nascido na África Ocidental.

Alertas de embaixadas brasileiras

A Embaixada do Brasil em Yangon,capital de Mianmar,afirma ser notificada de aliciamentos de brasileiros para trabalhos análogos a escravidão desde setembro de 2022. Em geral,os alvos são seduzidos por vagas de emprego supostamente no setor financeiro da Tailândia,com salários competitivos,comissões e passagens aéreas.

Os brasileiros são levados a assinar cláusulas de confidencialidade antes de serem transportados até Mianmar. Eles,então,têm os passaportes retidos e são submetidos a longas jornadas de trabalho,privação parcial da liberdade de movimento e possíveis abusos físicos.

A Tailândia também é alvo de alertas do gênero pelo governo brasileiro. Em hostels,vagas de emprego nos arredores de Bangkok são oferecidas à brasileiros. No entanto,após aceitarem o trabalho,as vítimas são levadas por grupos armados até Mianmar,onde atuam para empresas fraudulentas e em condições precárias.