Sem espaço. Na Rua Siqueira Campos,perto do metrô,camelôs vendendo toda sorte de produtos ocupam a calçada dos dois lados,deixando apenas um corredor estreito para os pedestres passarem — Foto: Márcia Foletto
GERADO EM: 18/07/2024 - 04:30
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Um passeio pelas ruas de Copacabana — cartão-postal com projeção internacional por reunir milhares de pessoas no réveillon e em shows como o de Madonna — revela um cenário de contradições: de um lado,a beleza da praia; de outro,uma amostra das mazelas cariocas. Nem mesmo o grande número de turistas que se hospedam no bairro deixa as ruas mais seguras. Foram 1.504 furtos de celulares de janeiro a maio deste ano — dez por dia —,um aumento de 42% em relação ao mesmo período de 2023. A insegurança também cresceu no transporte público: na mesma comparação dos cinco primeiros meses,a quantidade de furtos em ônibus passou de 82 para 120. Os dados são referentes às ocorrências na 12ª DP (Copacabana) e na 13ª DP (Ipanema).
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Moradora da Rua Hilário de Gouveia,a advogada Gabriela Sotomayor,de 35 anos,conta que vive trancada com medo de ser vítima da violência a que assiste da janela do seu apartamento.
— De casa,consigo escutar pessoas gritarem: “Pega ladrão”. Mesmo estando na rua da delegacia,não me sinto segura. Até porque,além de praticarem furtos,há casos em que eles agridem pedestres,às vezes até os idosos — conta.
Colocando banca. Ambulantes tomam a calçada da Nossa Senhora de Copacabana: denúncia de cobrança de taxa — Foto: Hermes de Paula
A sensação de insegurança na região faz com que o cruzamento da Rua Nossa Senhora de Copacabana com Hilário de Gouveia — a 200 metros da 12ª DP (Copacabana) — seja chamado de “Esquina do Terror”. Ali fica a Praça Serzedelo Correia,que,segundo moradores,é usada como ponto de negociação de drogas. Eles contam ainda que,há sete meses,15 facas foram encontradas escondidas embaixo de uma banca de jornal. As armas seriam usadas para cometer assaltos.
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— É um medo constante. A gente nunca sabe o que vai acontecer. Era para essa praça servir de lazer para os moradores e turistas,mas virou reduto de criminosos. Não tem uma pessoa que passe aqui e não reclame do medo de ser roubado ou ferido — afirma a publicitária Amanda Costa,de 31 anos.
Quem trabalha nas imediações da Serzedelo Correia diz que comerciantes vêm sendo extorquidos por homens que rondam a região fazendo cobrança de “taxa de segurança”.
— Fui ameaçado três vezes. Eles costumam vir de noite,quando não há muita movimentação. Esses criminosos fazem ameaças,gritam e dão prazos para pagarmos os valores cobrados — revela um comerciário,que pediu para não ser identificado.
O mesmo tipo de cobrança estaria sendo feito a ambulantes. Na Siqueira Campos,os camelôs sem licença se misturam aos autorizados pela prefeitura para evitar pagar taxa aos criminosos,que cobram de R$ 50 a R$ 100.
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— Perto dos ambulantes legalizados,eles costumam não cobrar a propina por medo da Guarda Municipal. Mas já fui cobrado quando coloquei minha banca em outra rua aqui do bairro — lembra um ambulante.
Por três dias,equipes do GLOBO percorreram as ruas de Copacabana,onde vivem 129 mil pessoas. Além da insegurança,muito relatada por moradores e comerciantes,o que se vê são camelôs e pessoas em situação de rua. No calçadão da orla,entre os postos 5 e 6,cariocas e turistas disputam espaço com o mar de mercadorias expostas no chão. São peças de artesanato,camisetas falsificadas da seleção brasileira e de times cariocas,cangas e bonés. À noite,aparecem ainda as carrocinhas de bebidas e petiscos. Para o empresário Marcelo Ortiz,o excesso de ambulantes prejudica as caminhadas. Tem ainda os “vendedores” de passeios turísticos.
A aposentada Maria Rosa Lobianco,de 65 anos,costumava passear todos os dias com seu cãozinho Inácio pela Rua Siqueira Campos. Moradora de Copacabana há mais de 40 anos,ela conta que viu o bairro crescer de tal forma que seus passeios matinais estão ficando inviáveis.
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— Uma vez,um ambulante passou com o carrinho de roupas em cima da pata do meu cachorro. Eu precisei levá-lo ao veterinário. Graças a Deus,não houve nada grave,mas achei um absurdo o que aconteceu. Antes,eu conseguia andar tranquilamente com meu cachorrinho. Agora,preciso escolher o momento em que há menos gente na calçada para sair com ele na rua — lamenta.
À medida que vai entardecendo,as marquises das lojas do bairro passam a servir de abrigo e refúgio para a população em situação de rua. Alheios ao vaivém de veículos e pessoas,muitos deles se aglomeram nos trechos de maior movimento. O secretário municipal de Ordem Pública,Brenno Carnevale,explica que,apesar das operações diárias de acolhimento feitas tanto na Zona Sul quanto no Centro,a maioria das pessoas abordadas não aceita deixar o local.
— Fazemos rondas rotineiramente,inclusive na madrugada. Oferecemos acolhimento à população em situação de rua e fazemos a desobstrução do espaço público. Mas a maioria não aceita ir para os centros de acolhimento,e não podemos obrigá-los — ressalta Carnevale.
O crescimento do bairro também deixou o trânsito caótico na região. Cruzar a Nossa Senhora de Copacabana pode levar até uma hora,já que a faixa da esquerda é tomada por carros parados fazendo embarque e desembarque de pessoas e,às vezes,de mercadorias. O mesmo acontece na Rua Barata Ribeiro e até na Avenida Atlântica.
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De acordo com a Secretaria de Ordem Pública (Seop),nos seis primeiros meses de 2024,foram aplicadas mais de 21 mil multas por estacionamento irregular e removidos 490 veículos no bairro,sendo a maioria por essa infração. Para tanto movimento,o bairro acaba tendo poucas vagas autorizadas nas ruas — e muitas são ocupadas por ambulantes. Ontem,havia venda de “quentinhas” em 16 carros estacionados só na Avenida Atlântica.
Sobre a insegurança,a Polícia Militar informou que o 19° BPM faz abordagens de pessoas e revistas de veículos,além de outras ações que visam coibir roubos e furtos. A corporação também afirmou que o bairro tem uma equipe de policiais contratados por meio do Regime Adicional de Serviço (RAS),que atua durante toda a madrugada nas imediações da Praça Serzedelo Correia. O bairro conta ainda com o sistema de reconhecimento facial,que identifica pessoas com o mandado de prisão em aberto. Ele começou a ser usado no réveillon passado.
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Já a Seop destacou que apreendeu 524 facas e objetos perfurocortantes,além de 415 itens para consumo de drogas e 13 toneladas de materiais deixados nas calçadas só este ano. Em conjunto com a Guarda Municipal,eles também recolheram cerca de 50 mil peças que eram vendidas por ambulantes em situação irregular.
Quem mora ou trabalha em Copacabana também tem recorrido ao Disque-Denúncia em busca de soluções. No primeiro semestre deste ano,o serviço recebeu 14 queixas de extorsão no bairro. Também foram registradas 50 denúncias de tráfico de drogas. Qualquer pessoa pode delatar um crime ou uma irregularidade pelo número (21) 2253-1177. O anonimato é garantido.
Colaborou Roberta de Souza