Vik Muniz (à esq.) e Alberto Pitta,diante de instalação com estamparia criada pelo spara Vik Muniz (à esquerda) e Alberto Pitta,diante de instalação com estamparia criada pelo soteropolitano para blocos — Foto: Guito Moreto
GERADO EM: 26/06/2024 - 03:30
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Amigos há mais de duas décadas,o paulistano Vik Muniz,de 62 anos,e o soteropolitano Alberto Pitta,de 63,parecem voltar à adolescência quando se juntam,seja pelas brincadeiras e referências que surgem na conversa entre os dois ou nas crises de riso irrompidas entre os cliques para a foto acima. Os dois se conheceram em 2000,na coletiva “A quietude da Terra: vida cotidiana,arte contemporânea e projeto axé”,no Museu de Arte Moderna (MAM) da Bahia,e a relação se estreitou com a presença mais frequente de Vik em Salvador,onde mantém uma casa e a galeria Lugar Comum,inaugurada na Feira de São Joaquim,em 2021.
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A dupla inaugurou na semana passada,na galeria Nara Roesler,em Ipanema,a primeira individual de Pitta no Rio,“Outros carnavais”. Nesta exposição,o soteropolitano traz obras de diferentes momentos de seus mais de 40 anos de produção,como têxteis,ilustrações para livros (a exemplo de “Gilberto Gil — Todas as letras”,de 2022) e serigrafias recentes. Representado pela galeria,Vik sugeriu à sua direção a montagem da exposição e assumiu sua organização.
Alberto Pitta diante de umas suas serigrafias — Foto: Guito Moreto
Pitta,que acabou de participar da 24ª Bienal de Sidney,na Austrália,é uma das maiores referências do carnaval de Salvador. Cria,há décadas,figurinos de blocos como Ilê Ayê,Olodum e Filhos de Gandhy,dos quais também foi diretor artístico — em 1998,fundou sua própria agremiação,o Cortejo Afro. Tendo participado de coletivas na Alemanha,na República Dominicana,em São Paulo e no próprio Rio,ele pode,com esta mostra individual,mostrar mais de seu trabalho para o público carioca.
— O pessoal da galeria me perguntou o que eu estava vendo de interessante em Salvador e os convidei para ir lá e conhecer mais a fundo o trabalho do Pitta. Falei: “Tem tanto artista por aí expondo uma ancestralidade de dois,três anos de pesquisa... Por que vocês não mostram alguém que trabalha a ancestralidade há 40 anos”? — conta Vik. — O Pitta é um cara que produz demais,faz muita coisa ao mesmo tempo. Nenhuma seleção daria conta de tudo,então fizemos este primeiro “trailer” da sua obra para os cariocas o conhecerem. É uma oportunidade não para ele,mas para a cidade de receber uma exposição sua.
Filho da yalorixá Mãe Santinha de Oyá,que também era costureira e bordadeira,Pitta traz tanto referências das religiões de matriz africana como do ofício materno em suas serigrafias. Compostas por várias camadas de símbolos aplicados em tinta branca,as obras criam uma textura que lembra os bordados em ponto Richelieu feitos pela mãe.
— Tenho o branco sobre branco como uma marca,que se acentuou depois de eu sair do Olodum para criar o Cortejo Afro. Quis fazer uma coisa diferente dos outros blocos,que eram mais coloridos. No primeiro ano,muita gente estranhou todos estarem de branco,e falavam: “Abriram a porta do hospício” — diverte-se Pitta. — Nas serigrafias,vou aplicando vários símbolos um sobre os outros. É um processo delicado,porque a última camada é a que conta. Posso ficar 20 dias trabalhando numa obra,mas se a última camada não ficar boa,já era.
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Alberto Pitta e Vik Muniz junto à instalação na Nara Roesler — Foto: Guito Moreto
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'Amalá' (2021),impressão sobre papel — Foto: Divulgação/Flavio Freire
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'Namorados' (2020),tinta e impressão sobre tela — Foto: Divulgação/Flavio Freire
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Obra sem título de 2020,tinta e impressão sobre tela — Foto: Divulgação/Flavio Freire
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'A novidade' (2021),caneta hidrográfica e tinta guache sobre papel — Foto: Divulgação/Flavio Freire
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'Sankofa' (2011),caneta hidrográfica e colagem sobre papel — Foto: Divulgação/Flavio Freire
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'Refazenda' (2021),caneta hidrográfica e tinta guache sobre papel — Foto: Divulgação/Flavio Freire
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'Baba Alapalá' (2021),caneta hidrográfica e tinta guache sobre papel — Foto: Divulgação/Flavio Freire
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Publicidade Primeira individual de Alberto Pitta no Rio tem curadoria de Vik Muniz
O título da exposição,“Outros carnavais”,faz referência ao encontro de Salvador e Rio,capitais da cultura afro-brasileiras.
— O primeiro “bloco de índio”,como eram chamados em Salvador,foi o Cacique do Garcia,inspirado no Cacique de Ramos,do Rio. É curioso como recriamos a imagem dos indígenas americanos para brincar nosso carnaval aqui — comenta Pitta. — Acho que a Bahia e o Rio,que receberam muitos escravizados,acabaram preservando a cultura e a memória desses povos,coisas que até se perderam nos países de origem. É uma África forjada nessa prancheta do imaginário.
Para Vik Muniz,exposições como a de Pitta,que incluem manifestações como o carnaval,demonstram que museus e galerias estão mais abertas ao que antes era visto como “cultura popular”:
— Esses conceitos antigos,de centro e periferia,estão colapsando. E as instituições estão mais permeáveis,trazendo essa produção para dentro. Se você fura a bolha,a coisa já começa a vazar por todos os lados,é o que vejo acontecendo.