Bolsonaro e Ramagem acham normal acionar a Receita Federal para proteger o filho do presidente — Foto: Reprodução
GERADO EM: 18/07/2024 - 04:30
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A democracia,não apenas no Brasil,está passando por momentos tormentosos que prenunciam um futuro inquietante. Em consequência,os Poderes da República ganham tons políticos que não se coadunam com o equilíbrio teoricamente imaginado por seus criadores. À medida que os Poderes se envolvem com ações políticas que sempre foram consideradas imorais,até ilegais,elas se transformam em normais,e fica-se com a sensação de que trabalham em comum acordo — um acordo político muito semelhante àquele proposto pelo hoje lobista Romero Jucá,que prenunciou um pacto “com o Supremo,com tudo” para “estancar essa sangria”,referindo-se à Operação Lava-Jato.
Alguns fatos preocupantes mostram que estamos vivendo não mais numa República,ou quase isso,no limite de um governo disfuncional em que,dependendo do momento,um dos três Poderes se impõe e é acobertado pelos outros dois,o que pode ser indicativo de um regime autoritário à vista.
Está acontecendo a mesma coisa nos Estados Unidos,agravada pelo triste hábito de resolver as pendências políticas à bala. Lá,um juiz achou normal que o ex-presidente Trump levasse para casa documentos secretos do governo e anunciou sua decisão às vésperas da convenção que o indicará como o candidato republicano à Presidência. Também lá a Suprema Corte deu recentemente uma interpretação mais flexível a uma lei anticorrupção,admitindo que funcionários públicos podem receber presentes ou dar assessoria a empresas.
Aqui,Bolsonaro acha normal ligar para o chefe da Receita Federal para falar sobre um filho que é investigado. O presidente da ocasião pode escolher o secretário da Receita Federal,mas não tem o poder de interferir nas investigações,especialmente para defender um filho. Isso acontece com realezas das antigas,em que a família do rei é intocável,e não é o que a República pede.
Nas realezas modernas,a intocabilidade já está bastante limitada pela ação dos paparazzi,da imprensa livre e da sociedade,cada vez mais atenta aos abusos. A vontade de normalizar qualquer deslize vai longe,na visão de direita ou esquerda. O presidente Lula acha que pode interferir na Petrobras,que pode indicar políticos aliados para órgãos estatais. Não é o que uma verdadeira democracia pede de seus dirigentes. A tendência de achar que o presidente pode qualquer coisa é anacrônica,fora do que exige uma democracia moderna.
O mesmo acontece com o Supremo Tribunal Federal (STF),que exorbita de suas funções,achando que tem poderes para dirigir as investigações do ponto de vista da maioria eventual naquele momento — sempre uma maioria relativa,dependente da tendência do presidente que nomeia os ministros,entre progressistas,conservadores,de direita ou de esquerda.
Não é possível que os mesmos ministros votem de maneiras distintas sobre o mesmo caso. É preciso um mínimo de coerência para que o cidadão se sinta garantido pela mais alta instância da Justiça brasileira. Um exemplo inquietante é o caso do ministro Alexandre de Moraes,que,a partir do belo serviço prestado na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em defesa da democracia,convenceu-se de que é intocável — e não apenas ele.
Uma desavença num aeroporto no exterior com uma família de brasileiros transformou-se em caso de segurança nacional. O encarregado da investigação,que considerou o caso de menor gravidade e o arquivou,foi substituído por outro,que viu na discussão em solo estrangeiro um caso sério,a ponto de o procurador-geral da República ter denunciado por calúnia e injúria os membros da família,com base em “expressões corporais”,pois o vídeo não tem áudio.
Não é aceitável,numa democracia,que se ataque fisicamente uma autoridade,mas também é impensável que uma investigação que já fora encerrada mude de direção sem que tenha surgido fato novo. O Congresso,que teoricamente representa o povo brasileiro,tem interesses próprios para tratar com urgência,como a anistia aos partidos que desrespeitaram a legislação que eles mesmos aprovaram. Assim la nave va,desgovernada.
* Na coluna de terça-feira,me referi a uma licitação cancelada como do Ministério das Comunicações,mas o problema ocorreu na Secretaria de Comunicação.