Entre outros fatores,pessoas compulsivas e que não se atentam aos ingredientes nocivos tendem a ter sobrepeso ou obesidade — Foto: Freepik
Não ir com fome às compras,usar dinheiro em espécie para pagá-las e montar uma lista sem pressa são algumas das questões que influenciam diretamente a dieta na hora de ir ao supermercado. Entre outros fatores,as pessoas compulsivas e que não se atentam aos ingredientes nocivos dos alimentos tendem a ter sobrepeso ou até obesidade,de acordo com especialistas ouvidos pelo GLOBO.
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Neste mês,a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelou que,até 2044,48% dos adultos brasileiros terão obesidade e mais de 27% terão sobrepeso. Além disso,mantidas as tendências atuais durante esses próximos 20 anos,130 milhões de adultos viverão com a gordura corporal acima do que é considerado saudável.
Os autores do estudo detalharam algumas medidas que podem ser feitas para enfrentar essa epidemia,como a importância de uma alimentação consciente. "Pensando na prevenção do sobrepeso e da obesidade,é importante trabalhar em todas as faixas etárias,desde a primeira infância até a idade adulta. Assim,deve-se melhorar os ambientes alimentares por meio de políticas regulatórias e fiscais que facilitem escolhas saudáveis,como consumir uma diversidade de alimentos frescos e minimamente processados e,ao mesmo tempo,evitar ultraprocessados",diz o documento.
No entanto,manter um peso saudável é uma tarefa complicada e não depende exclusivamente da vontade de quem sofre com sobrepeso. Segundo o Ministério da Saúde,existem vários aspectos que permeiam o contexto da obesidade,que muitas vezes extrapolam o próprio indivíduo. Por isso,a alimentação adequada e saudável pode ser um caminho crucial para enfrentar esses problemas.
Ao GLOBO,um médico endoscopista,uma nutricionista,uma psicóloga clínica e um especialista em comportamento do consumidor apresentaram 10 dicas para as pessoas fazerem compras conscientes e,assim,não ganharem peso com as escolhas da alimentação.
— Ir ao mercado com fome é a pior coisa que uma pessoa pode fazer. O nosso cérebro começa a dar sinais que precisamos de carboidratos,que é a principal fonte do órgão. Com fome,a pessoa busca colocar em seu carrinho alimentos mais palatáveis e com açúcar — afirmou a nutricionista Sylvia Pozzobon,especialista em emagrecimento,saúde e performance.
— A pessoa passa nas prateleiras sem olhar e compra por compulsão. Com fome,o consumidor não consegue diferenciar a vontade do que realmente é necessário. Evitar esse sentimento ao fazer as compras vai fazer com que você não compre o que não precisa — disse o gastrocirurgião e endoscopista,Eduardo Grecco.
— A fome pode deixar a pessoa estressada e ansiosa,além de afetar nossa relação com a comida e com as compras. Neste caso,não pensamos racionalmente e acabamos escolhendo opções rápidas e menos saudáveis — explicou a psicóloga clínica Lara Rosa.
De acordo com a empresa inglesa YouGov,especializada em pesquisa de mercado,as crianças têm um enorme poder de compra de forma direta e indireta. Entre 2021 e 2023,cerca de US$ 1,2 trilhão da economia global foi gasta em transações nas quais menores de 18 anos foram cruciais na decisão de compra. Nos últimos anos,inclusive,observou-se que as crianças em alguns países estão assumindo um papel muito mais agressivo nas compras dos pais,principalmente nos alimentos: a família compra opções saudáveis e elas pedem para trocar de marca.
O Brasil não está alheio a esse fenômeno. Dados do YouGov Profiles de 2023 mostram que 30,5% dos consumidores do país afirmam que,às vezes,deixam seus filhos influenciarem suas decisões de compra. Esse número é estatisticamente maior entre as mulheres (31,2%) do que entre os homens (29,7%). Em comparação com a média nacional,as pessoas casadas,divorciadas e viúvas (37,6%,34,5% e 41,3%,respectivamente) também têm maior probabilidade de deixar que seus filhos influenciem.
— Evite levar os filhos para o supermercado,pois eles pegam coisas desnecessárias — alertou Grecco.
— Sair de casa com uma lista detalhada,evitando as compras por impulso,e fazer as escolhas ainda em casa são questões importantíssimas. Se for ao mercado sem lista,a chance é ceder às tentações das prateleiras,com embalagens bonitas,que nada contribuem para a saúde — contou Pozzobon,em entrevista ao GLOBO.
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— Ao ler os rótulos dos alimentos,os consumidores precisam estar atentos aos ingredientes. A legislação brasileira determina que o primeiro ingrediente da lista é o que tem maior quantidade naquele produto,e os demais seguem na ordem decrescente. Então,a primeira ação é ler e verificar se,pelo menos,os 5 primeiros são saudáveis: se não são açúcares ou gorduras saturadas,por exemplo. Outra dica prática é buscar pelo símbolo da lupa,que vem em destaque na embalagem,informando se o alimento é rico em açúcar. Uma terceira dica é ver se tem muitos ingredientes com nomes estranhos,o que pode ser um indicativo de que é um alimento ultraprocessado — detalhou a nutricionista.
— Deve ser evitado alimentos com excesso de açúcar adicionado. Às vezes,no rótulo,não vem escrito 'açúcar' e,sim,'xarope de glicose'. Excesso de açúcar adicionado,de gordura saturada e sódio são as três principais coisas que devemos nos atentar na hora de comprar um alimento. Os processados nem sempre são ruins,mas devemos focar na leitura dos rótulos e ter compreensão dos ingredientes — acrescentou Sylvia.
Atualmente,existem alguns aplicativos para "traduzir" os rótulos e,ajudar os consumidores mais leigos. O "Desrotulando",por exemplo,tem como objetivo facilitar a compreensão das informações nutricionais dos produtos. Além disso,o aplicativo sugere opções mais saudáveis.
— Temos aplicativos que fazem leituras de rótulos e ajudam o consumidor. Eles têm falhas,mas orientam de alguma forma. Para além,recomendo que as pessoas leiam o Guia Alimentar da População Brasileira,que ajuda na tomada de decisão da alimentação. E,claro,a consulta com o nutricionista é primordial,pois é o profissional que não vai apenas montar a dieta,mas irá ajudar com a educação nutricional — assegurou a nutricionista.
— Devemos cuidar da nossa saúde digestiva com alimentos saudáveis. Verificando os rótulos e identificando a quantidade de sódio e açúcar,você tem um parâmetro melhor. Nas compras,você vai aprendendo como são os alimentos — informou o endoscopista.
— As campanhas publicitárias costumam focar nos desejos das pessoas: soluções,alternativas e propostas que tragam prazer. As que buscam um estilo de vida mais saudável prestarão mais atenção nos conteúdos. Mas,se a pessoa não tiver interesse ou motivação pelo tema,ela continuará ignorando a mensagem do produto. Se não fosse assim,cigarros e bebidas alcoólicas já teriam deixado de existir. O layout de um ponto de venda,assim como os revestimentos,os mobiliários,a arrumação dos produtos e estratégias sensoriais (iluminação,odor,texturas e sons) criam a ambiência que o cliente irá experimentar ao entrar na loja. Isso vai interferir diretamente no tempo de permanência do cliente no local: quanto maior,mais estímulos ele receberá para comprar — explicou Eduardo França,professor de comportamento do consumidor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
— Produtos que ficam expostos na altura dos olhos e com acesso fácil para as mãos alcançarem estarão em mais evidência. Boas embalagens também são fundamentais,assim como as ofertas. Tudo isso funciona para as compras por impulso,ou seja,não planejadas — acrescentou França,referindo-se às estratégias de venda das marcas.
— Precisamos tomar cuidado com as embalagens muito bem elaboradas,que podem nos levar a confusão. Nem todo alimento com uma apresentação saudável é benéfico,assim como comerciais que dão a ideia de que algo é saudável sem ser. O trabalho das agências cria uma roupagem saudável para o alimento. Um exemplo clássico é o biscoito integral,que é saudável,mas pode ser que não seja adequado para pessoas que busquem o controle de carboidratos e açúcar. Não se deixe levar pela imagem e pelos comerciais — alertou a nutricionista.
De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),se você for uma pessoa impulsiva e descontrolada financeiramente,o cartão de crédito pode ser um "grande vilão". Porém,se souber se controlar e for organizado,o cartão será um aliado nas compras e poderá até ajudar os gastos de forma consciente. Com as compras,segundo o Sebrae,você pode perder o controle nos parcelamentos em função da facilidade e praticidade na hora do pagamento.
— É fato que,quando utilizamos o dinheiro em espécie,temos uma noção melhor do tamanho do gasto. Nos cartões,não temos isso pelo motivo de que muitos são integrados para débito e crédito. Porém,isso está mudando com o PIX,que também faz uma conexão direta com a quantidade de dinheiro disponível — disse França.
Em 2018,uma pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) revelou que 8 em cada 10 brasileiros afirmaram que se esforçam para ter uma alimentação saudável,e 71% dos entrevistados apontaram que preferem produtos mais saudáveis,mesmo que tenham de pagar mais caro por isso.
— A saúde digestiva precisa de vegetais,verduras,frutas,proteínas e carboidratos. São importantes para a nossa energia e absorção de todas as vitaminas — garantiu Grecco.
— Busque comprar o máximo de alimentos frescos e da época. Uma dica é procurar consumir alimentos simples,da forma como eles são apresentados na natureza (in natura): frutas,legumes,carnes e ovos. No que diz respeito aos produtos prontos,procure os minimamente processados,alimentos in natura que sofreram algum manuseio da indústria: grãos empacotados,secos,polidos ou moídos na forma de farinhas,raízes ou tubérculos lavados e cortados,carnes resfriadas ou congeladas e leite pasteurizado. Além destes,prefira alimentos in natura que são feitos com poucos aditivos naturais,como conservas,queijos e pães — elencou Pozzobon.
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Inédita no Brasil e realizada em 2020 com amostra de mais de 5 mil participantes,a pesquisa do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) mostrou que o consumo de alimentos ultraprocessados está relacionado ao aumento do risco de hipertensão arterial (pressão alta) e de dislipidemias (alterações nas estruturas que carreiam colesterol através do sangue) em adultos. Os resultados apontaram que o consumo de altas quantidades de produtos,como nuggets,macarrão instantâneo,cereais matinais,barras de cereais e refrigerantes pode aumentar o risco de desenvolver hipertensão em 23%. Os dados ainda apontaram a obesidade como uma condição relacionada ao consumo de alimentos ultraprocessados,à hipertensão arterial e às dislipidemias.
— Os alimentos ultraprocessados são extremamente ricos em sódio,corantes e conservantes. Isso faz com que o paciente tenha um edema no organismo,pois o sódio gera a pressão arterial. Por isso,precisamos tomar cuidado com o excesso desses alimentos e substituí-los,procurando opções mais frescas — ratificou o médico.
— Devemos evitar ao máximo os ultraprocessados,cuja fabricação envolve muitos ingredientes industriais,como refrigerantes,biscoitos,salgadinhos de pacote e macarrão instantâneo. Apesar da pessoa consumir produtos minimamente processados ou in natura,a quantidade do consumo vai determinar se ela está em um processo de emagrecimento. Ainda que a pessoa não esteja seguindo nenhuma dieta,é pouco provável que ela ganhe peso com uma alimentação saudável. A pessoa engorda pelo excesso de alimentos ultraprocessados — afirmou a nutricionista
— É importante comprar aos poucos,para que esses alimentos não estraguem. Comprando exageradamente,os alimentos ficam guardados e a pessoa não consome. Evite o desperdício —enfatizou Grecco.
— A pessoa precisa olhar para a saúde mental,mas também deve se cuidar fisicamente e entender a relação com a comida. Você está olhando a comida para nutrir e fortalecer ou como algo mais emocional e compulsório? Precisamos entender isso e equilibrar — relatou a psicóloga.
— Ansiedade e estresse influenciam no nosso dia a dia,em todas nossas relações com outras pessoas,compras e até comida. Esses sentimentos afetam nosso humor,fome e desejos. Para sanar esses sintomas,existem a respiração diafragmática,meditação e,principalmente,o autoconhecimento. Então,é preciso entender de onde está vindo a ansiedade. Por isso,a pessoa deve se compreender para,conhecer sua escolha alimentar: qual o melhor horário para as compras e se é melhor online ou presencial. Com o autoconhecimento,a pessoa consegue ir ao mercado mais leve,sem a cabeça preocupada,e ter escolhas conscientes — detalhou Rosa.
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Para o professor Eduardo França,diversas questões sociais influenciam no processo de compra. Além disso,as escolhas,tanto de produtos quanto de alimentos,estão diretamente ligadas à identidade do consumidor.
— Na verdade,o consumo deve ser entendido como algo identitário e ele se transforma na medida em que passamos a ter mais acesso à informação. O estilo de vida também influencia muito na hora da escolha por algum produto ou serviço,assim como somos moldados pelos grupos sociais a que pertencemos. Cada vez mais consumimos aquilo que nos identificamos e que representa o nosso estilo de vida: valores,crenças,desejos e necessidades. As estratégias de marketing servem para fazer essa conexão entre consumidores e marcas que se identificam.
— O acesso fácil à informação através da internet também mudou a dinâmica de compra e consumo. Agora,somos muito mais questionadores e críticos. O próprio aumento da concorrência trouxe um desafio de negócios mais desafiador para as marcas. É importante que as marcas tenham consciência quanto a relevância em informar as restrições de uso de alguma substância contida em um determinado produto para seus consumidores.
— Há uma parcela da sociedade,principalmente os mais jovens,que mostra-se interessada em adotar um estilo de vida mais saudável. Muito disso deve-se ao aumento da expectativa de vida na qual as pessoas acabam vislumbrando um envelhecimento melhor. Mas também não podemos ignorar aqueles que transformam essa tendência numa filosofia de vida associada à sustentabilidade — concluiu o professor.
*Estagiário sob supervisão de Constança Tatsch